Capítulo III

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As duas semanas que se seguirão foram terríveis, Isabella começara a ter de acordar mais cedo e dormir mais tarde, ter de fazer suas limpezas mais rapidamente e com uma melhor qualidade. Havia diversos momentos onde a jovem teve de escolher entre comer ou tomar banho, dormir ou adiantar o serviço. Era uma lástima que todas as empregadas vinham sofrendo da mesma maneira – e tudo graças aquele maldito baile.

É claro que nem tudo foi pungência e desnutrição.

Haviam momentos em que Isabella tinha a permissão de tirar um descanso, então ela se sentaria debaixo da sombra de uma enorme árvore e comeria as fatias de bolos e tortas que os funestos nobres deixavam intocáveis depois do chá da tarde, então ela pensaria enquanto lambia o creme de seus dedos "esses desgraçados mimados não sabem o que é passar fome" e se sentiria aliviada por xingá-los, mesmo que apenas mentalmente.

Naqueles últimos dias que se passaram, Isabella finalmente aprendera coisas novas, Marsha ensinara-a como diferenciar os títulos dos nobres que transitavam o palácio e como cumprimentá-los segundo sua importância. Havia a maneira correta de se curvar para um barão, um visconde, um conde, um marquês, um duque, um príncipe e um Imperador. Também a ensinara como servi-lhes as refeições como manda a etiquete e a como retirá-las também de forma que nãos os incomodasse. Isabella ainda se lembrava da primeira vez que servira um repasto, ela ficou atrás de Marsha imitando cada passo e movimento que a jovem de cabelos castanhos fazia como um pequeno filhotinho.

- Você acha que me saí bem? – perguntara Isabella depois que as duas retiraram a mesa e se dirigiram para fora do quarto.

- Não. – Foi a resposta fria, todavia previsível de Marsha.

- Acha que vou melhorar?

- Você não tem escolha.

E apesar da dureza nas palavras de Marsha, Isabella não poderia negar que ela estava certa, a jovem de olhos azuis não tinha escolha.

Depois de muitos dias de lutas e intermináveis provações, chegara o tão esperado segundo dia de folga de Isabella e seu segundo salário. Neste dia, a senhorita loira enfim criou alguma coragem; colocou o vestido lilás que Clementina comprara quando foi a cidade e saiu dos portões do palácio junto com Dutcha pendurada em seu braço.

A capital de Licrya não era o pandemônio que Isabella esperava, as pessoas eram excessivamente alegres, os guardas faziam suas rondas com frequência e havia muitos estabelecimentos opulentos pelos logradouros como restaurantes, hotéis, lojas e empresas de serviços. Inclusive, existia muito o que ser contemplado e experimentado, algumas pessoas exibiam performances de rua, realizando pequenos feitiços e apresentando-se com seus monstros mágicos, outras davam amostras grátis de comida e tentavam trazê-las para seus estabelecimentos e ainda havia aqueles que montavam suas barraquinhas cobertas por uma lona grossa e tentavam vender seus produtos nas calçadas.

Entre muitas outras coisas, traços de uma cultura completamente distinta mostravam-se a cada instante, um modelo disso era os tecidos de diversas cores que as pessoas penduravam nas janelas de suas casas como se fossem tapetes embebidos postos para secar no sol.

- Por que as pessoas fazem isso? – perguntou Isabella à Dutcha quando não pode mais aguentar a curiosidade.

- O quê? Os tecidos? Essa é uma das mais antigas tradições dos licryanos, cada cor representa um acontecimento importante naquela casa, por exemplo, o vermelho significa que um bebê acabou de nascer, o verde representa que as pessoas daquela casa acabaram de se casar, o azul mostra que alguém morreu, e por aí vai.

Os licryanos tinham muitos outros aspectos culturais além de pendurar panos nos umbrais de janelas, um destes era sua religião, os licryanos eram politeístas – aspecto que era curioso para Isabella já que ela nunca conhecera alguém que acreditasse em mais de um deus -, aquele povo tinha diversos templos espalhados por todo o reino, cada templo era dedicado a um deus diferente e tinham esculpidos nas paredes de suas abadias desenhos da trajetória de existência do deus daquele santuário.

O Imperador VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora