Capítulo XIX

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As portas do salão de baile se abriram com um baque. Uma porção de pessoas em vestimentas extravagantes adentraram no aposento sem resguarda criando uma algazarra. A barulheira explodia nos tímpanos dos nobres presentes que não podiam deixar de contemplar impressionados os dançarinos itinerantes que se apresentavam no palácio; um homem em pernas de pau fez uma curvatura desajeita para um nobre dama que não pode conter o sorriso, um cuspidor de chamas conseguiu arrancar uma expressão de surpresa de um velha rabugenta e os contorcionistas geravam sensações mistas de agonia e descrença na alta sociedade. Todavia, ninguém brilhava feito Aruna, a garota que preenchia o salão feito o ar.

Todo o público prendeu a respiração enquanto a jovem tripudiava livremente pela festa, suas roupas vermelhas e esvoaçantes faziam parte da coreografia ao passo que se moviam livremente ao redor da jovem. Seus olhos negros nunca se desviavam, contudo não te viam de verdade, eles transpunham-no e escrutinavam cada canto do seu ser como uma fera selvagem. Sua presença era quase gasosa, tal qual um brilho carmim e errante que invadia os pulmões e recusava-se a sair.

Do alto do trono, o Imperador mirava a dançarina com avidez. A soberba em seu semblante fluía em filetes negros que não poderiam ser ocultados. E a Imperatriz enxergava isso melhor do que ninguém. Yunet fincou seus dedos no braço do trono, por muito pouco não rasgando seu estofado, mas suas feições permaneceram impassíveis enquanto observava a trama que se desenrolava diante de si. Era isso que significava ser uma soberana.

Logo a música parou e os dançarinos cessaram sua apresentação dando um fim ao encanto. As respirações entrecortadas dos apresentadores ecoavam no ar e formavam uma nevoa de vapor cálido e cândido acima do aposento enquanto o público os aplaudia.

- Quanto você quer? – inquiriu o Imperador, Ikaros, sua voz autoritária ecoando pelo salão fez cessar a balbúrdia.

O chefe dos dançarinos, Oleg, assumiu que era consigo que o homem no trono falava. – Pois não, Vossa majestade?

- Quanto você quer? – repetiu.

- Pelo que, Vossa Majestade?

Então Ikaros ergueu seu dedo indicador e apontou para o que ele desejava. Todos seguiram-no com o olhar, não havia necessidade de pôr em palavras o que ele almejava, mas ele o fez mesmo assim – pela garota – replicou alheio, e as pessoas se perguntaram se estava certo falar tão grande disparate com tamanha despretensão.

Yunet virou a face e fuzilou o Imperador com seus dentes cerrados. Seu rosto era tal como uma beringela e uma veia do tamanho de um indicador pulsava em sua têmpora. Ela sentia que toda aquela situação era como dar-lhe uma bofetada na cara.

Era uma mulher orgulhosa, não se casou por amor e sim pelo dever. Também não veio a amar seu esposo depois dos anos de convivência, nem mesmo depois de dar à luz aos seus dois filhos, Nero e Constantino. Inclusive, nunca se incomodou se ele tinha uma ou duas amantes, contanto que fosse encobertado. Mas aquilo era diferente, aquilo era diminui-la de maneira pública e isso ela não podia aceitar.

Entretanto Ikaros não reparou no semblante da esposa, nem nos pensamentos que circundavam sua mente. Suas pupilas dilatadas não conseguiam desgrudar da dançarina.

Aruna havia se encolhido até quase desaparecer na multidão. Ela compreendia que era para ela que o Imperador apontava e não estava gostando nada do rumo da conjuntura.

- Você quer comprar... minha filha, Vossa Majestade? – indagou o chefe dos dançarinos itinerantes com um quê de desagrado e assombro, ainda que já soubesse que a resposta era sim.

- Se a jovem dançarina for sua filha.

Oleg engoliu em seco. Era um o senhor de idade obeso e careca, com sobrancelhas ralas e um bigode branco cobrindo o buço. Uma fina camada de suor se formou em sua testa enrugada, ele limpou-a com as mãos pretendendo homiziar seu nervosismo.

O Imperador VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora