Sangue e Cinzas

123 13 0
                                    


O vento leva uma canção de ninar, uma língua estranha a proclamar delicadamente as palavras, um toque de melancolia e saudade. Um suspiro suave escapa dos lábios de uma criança adormecida aos pés de uma árvore, o coração antes acelerado se acalmando ao som da música.

Como pedra ônix, aqueles olhos jovens que já viram muita coisa, se demoram nas três vidas que lhe foram confiadas, especialmente o menino de seis anos que vinha tendo cada vez mais pesadelos.

"Está pior." Preocupação se revela em sua face, antes de o hábito força-la a esconder suas emoções, deixando um semblante neutro.

Riki se remexe, os pesadelos voltando. Cantar amenizava a condição de angústia do menino, então ela cantarolou constantemente até que ele parecesse estar em um sono sem sonhos.

"Pelo menos hoje não houve gritos." Tenta se consolar, mas fez pouco para sua paz de espírito. Afinal, na vila, os meninos estavam com cada vez menos pesadelos e desde que eles foram para floresta, isso havia mudado. Principalmente Riki, o que podia explicar porque ele parecia cada vez mais irritadiço e desanimado. Já não bastava Eiko constantemente perguntando pelo pai e pela mãe (ela tinha que reiterar cada vez que não, Minastir e Elaíne não são seus pais. Não, Eiko, eu e Katsuo também não somos). E então havia Katsuo, que estava se exaurindo cada vez mais no treinamento, como se cada dia que eles estivessem ali fosse unicamente sua culpa e era a responsabilidade dele tirá-los de lá o mais rápido possível. Ela nem ia começar a pensar nela mesma ou era capaz de sua máscara de calma e firmeza ruísse e esse era um luxo que ela não se permitiria. Se ela pensasse muito profundamente em seus sentimentos, choraria que nem uma criança – e ela deveria ser a adulta, o pilar que sustentava os mais novos.

"Céus. Nós, Uchihas, somos uma bagunça certa."

Kana abraça seus joelhos, coloca a cabeça entre as pernas, se encolhendo e se fazendo menor, sentindo-se incapaz. Lembrando-se de outra criança, em outro lugar, que ela não pode proteger. Que ela falhou completamente em manter seguro. E então, sua memória vagueia entre gritos e olhos horrorizados, mães implorando por misericórdia e as crianças que ela teve que matar. Que ela foi ordenada e, mesmo quando tudo dizia isso é errado ela fez de qualquer forma porque ela era uma ninja.

"Regra 05: Um shinobi deve ser inflexível no cumprimento de seu dever, cumprindo à risca as ordens do seu superior para o término bem-sucedido da missão e o bem da vila."

Ela não pensa em como nunca entendeu como sangrar crianças seria para o bem de sua vila. Ela não pensa em como aquelas mães e pais implorando por seus filhos a olharam como um monstro desumano. Ela não pensa em como às vezes, muitas vezes, ela preferiria não ter sido uma ninja leal de Konoha. E ela definitivamente não pensa nas ocasiões em que ela queria ter sido uma criança cuja vida se desvaneceu pelas mãos de outra criança, para não ser a única a levar o fardo de nunca se perdoar.

Kana ri, uma risada amarga, nervosa, um pouco histérica.

Ela não devia estar cuidando de crianças.

Ela realmente não devia.

*

Kana paira acima de Riki, que esculpia em pedra um dos selos que aprendera recentemente em fuinjutsu. O garoto não lhe dá atenção, totalmente focado em sua tarefa, e Kana senta-se ao seu lado, observando o labor dele. Como ele conseguia esculpir perfeitamente em uma pedra e daquele tamanho, ela não tinha ideia, mas Riki conseguia. Katsuo estava à alguns metros, meditando e tentando dominar a básica fixação de uma folha na testa. Eiko brincava com Raijin, em seu próprio mundo mágico.

Beyond Duty and BloodOnde histórias criam vida. Descubra agora