Capítulo Um

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Pelo Olhar Dele

Hoje é mais um daqueles dias em que eu me pergunto o que eu fiz de errado para merecer tanto motivo para não querer existir. Certo, eu sei que fiz algumas coisinhas sim, mas não acho que foi motivo o suficiente para meus pais, depois de longas noites de conversa — por telefone, já que ambos se detestam — decidirem me matricular num internato. Sim, no século vinte um ainda existem pais que não aguentam lidar com os próprios filhos e os colocam em escolas internas para que não tenham que enfrentar a culpa de não terem simplesmente usado uma camisinha.

Eu sou um desses filhos. Que vida, não?

Mesmo depois de passarem quase duas horas conversando, a diretora e o orientador do colégio acompanharam meu pai até o carro na frente dos portões, onde ainda papeavam sobre como vão tomar conta do seu filho e fazer de mim um "jovem decente e respeitoso", não, não quero debochar dessa expressão, já foi a milésima do tipo. Cansado desse blábláblá todo, encaixei os fones na orelha colocando minha playlist e ainda mascando o chiclete de menta, embora agora já estivesse sem gosto há algum tempo.

Meus olhos voltaram para a fachada do colégio. A grafia metálica no muro de tijolos vermelhos dizia simplesmente: "Teohai School". Esperava mais para um lugar como esse.

Espiando entre as árvores e a estrada de pedrinhas pelo qual eu piso também aqui fora, posso avistar uma grande construção e um campus maior do que eu imaginava. Apesar de ter pensado em estruturas mais antigas e religiosas como se espera de colégios internos, sinto que esse lugar passou por algumas reformas recentes, e, ao contrário do que idealizei, é até bem moderno.

— Temos uns 30 minutos antes do intervalo terminar, depois acontece a última aula, daí os alunos se dividem em atividades recreativas ou simplesmente retornam aos dormitórios. — Posso ouvir o orientador dizer enquanto troco de música.

— Então é melhor ir se preparar, Donghyuck. — Meu pai olha para mim.

— Ah, então você já vai, né? — Tiro um dos fones o encarando de volta. Ainda que eu possa ver que seus olhos carregam algum arrependimento, não pretendo perdoá-lo.

— Eu volto para te ver uma vez no mês, lembre-se disso.

— Três vezes mais do que quando eu morava em Jeju, que recorde! — Finjo surpresa.

— Sem sarcasmo hoje, filho, lembre-se de se comportar, não vai poder mais ligar para sua mãe ou para mim atrás de ajuda.

— Como se eu precisasse... — Resmungo puxando a alça da mala ao ter arrumado a mochila preta nas costas — Boas férias para você também, Deuk-su, te vejo no próximo verão. — Ironizo ainda sorridente. Ver sua face se transformar enquanto procura respirar fundo para se acalmar parece o suficiente para mim.

Sou acompanhado portões adentro pela a autoridade e o orientador enquanto ouço meu pai entrar no carro e dar a partida antes mesmo do porteiro fechar o colégio. Ainda que  não me surpreenda, sinto-me meio decepcionado. Dezessete anos e mais uma oportunidade descartada do homem que me colocou no mundo — eu diria até que injustamente —, se aproximar de mim.

Mas, por outro lado, Deuk-su preferiu se livrar de mim por alguns meses prometendo me dar um carro se eu cooperasse e me formasse nesse internato (já que um carro foi motivo do estopim da minha adolescência para os meus pais). Eu vou ter tempo de contar isso depois.

Pelo Olhar Dele - MarkhyuckOnde histórias criam vida. Descubra agora