Capítulo Vinte e Quatro

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(1 semana antes da mudança para Gapyeong)

A primavera estava deixando a ilha de Jeju. Nessa época, sempre gostei de sair com os amigos e ir jogar vôlei na praia ou passar tardes inteiras gastando meu tempo no fliperama para jogar ping-pong. Minha pontuação costumava ser a mais alta nos últimos meses, só até eu parar de frequentar o lugar de umas semanas para cá. Não tenho mais vontade de ir à praia, nem tenho mais amigos já que todos me viraram as costas quando o diretor confirmou que o babaca que estava me incomodando teve seu nariz quebrado na nossa última briga. Não era para menos, não me lembro de ter visto tanto sangue na minha vida. Além disso, também foi decidido a minha expulsão daquele colégio católico, o que certamente decepcionou meus pais. De novo.

Não estou triste por ter perdido a terceira vaga em menos de um ano, todos aqueles que diziam ser meus amigos se afastaram de mim alegando que eu era violento demais. Que se dane. Não tinha mesmo paciência para frequentar os acampamentos religiosos e nem ter que ir à missa todo domingo de manhã para fazer parte do coral da igreja. Como também não suportava mais os comentários homofóbicos vindos do filho do pastor/professor.

Desde que me assumi para minha família, não vejo problema em falar abertamente sobre minha sexualidade. Tentei ser paciente com suas falas infelizes, mas toda vez que me via, ele me dizia que eu ia direto pro inferno, que era um invertido e deveria aceitar Deus. Quando passei a ignorá-lo, seu assédio ficou ainda pior. Ele rabiscava a minha carteira com frases estúpidas, desamarrava o meu cadarço e saía correndo porque sabia que eu não sabia amarrar e me esbarrava de propósito dizendo ser sem querer. Me mostrei incomodado com todas essas provocações, mas meus colegas que riam de mim junto com os outros alegavam que era "só uma brincadeira" e que eu era sensível demais.

Engoli, mas comecei a ficar estressado. Na terça-feira passada, durante uma troca de aula para a educação religiosa, ele me viu passando no corredor, então propositalmente jogou os livros que eu carregava no chão. Respirei fundo, mas sabia que não adiantaria. Ordenei que ele recolhesse, mas o imbecil recusou. Pedi novamente dizendo que o faria se arrepender, mas sua postura permaneceu. Então eu fiz o que achava que ele queria esse tempo todo: segurei sua cabeça com toda força e beijei sua boca no meio do corredor abarrotado de alunos. Ele obviamente me empurrou e foi aí que começamos a brigar.

Nunca fui muito atlético, lembro de ter frequentado a aula de taekwondo por uma semana e então desisti pelas inúmeras regras. Mas usei tudo o que aprendi naquela luta. Levei alguns socos e cotoveladas, mas tudo mudou quando inverti nossas posições e fiquei por cima dele. Achei engraçado a maneira como ele ficou em choque, assim questionei se era isso o que queria esse tempo todo, então com uma série de socos mal impulsionados, seu nariz começou a banhar meu punho em sangue e senti duas mãos envolvendo meu peito para me tirar de cima dele.

O resto, vocês já sabem.

Em casa, as cadeiras da cozinha foram colocadas na sala e eu fui acuado no sofá para um intenso sermão. Minha mãe nunca me bateu, mas sua repreensão sempre me fez sentir mal. Só o que mais me irritou foi ter o meu padrasto também me dando lição de moral, dizendo que eu deveria ter suportado toda aquela violência calado e que ninguém era obrigado a me aceitar. Inclusive ele.

Quando isso acabou, me tranquei no meu quarto e decidi que não sairia de lá até me sentir melhor. Queria encontrar alguém que me entendesse, queria conversar sobre isso. Mas a minha prima e também única amiga gritou que me odeia e que nunca mais quer olhar na minha cara. Ela tem razões para isso, seria interessante se eu colaborasse com seu desejo e desaparecesse, quem sabe assim eu pararia de dar problema para todos na minha vida.

O céu estava tomando um misto de tonalidades azul e laranja, quando ia embora. Pensei que aguentaria ficar o dia inteiro olhando o teto do meu quarto, mas estou cansado daqui. Na verdade, estou cansado de tudo. Olho para as minhas mãos vendo as falanges com hematomas coloridos numa mistura de vermelho e roxo. Ao tentar fechar, ainda enfrento um terço da dor como quando tensiono o abdomen (local onde ele me bateu).

Pelo Olhar Dele - MarkhyuckOnde histórias criam vida. Descubra agora