Eu não consigo descrever o quão desesperada estou agora.
Sequer sei se desesperada é a palavra certa. Provavelmente é muito mais do que isso. Algo que beire a morte, quem sabe.
Estou sentada no banco do avião, devidamente protegida com os cintos, e com três casacos vestidos um por cima do outro. Quando fico ansiosa, sinto muito frio; e além disso, o ar condicionado está ligado. Mesmo assim, meus dedos estão gelados e quase consigo sentir meus músculos tremendo. Meu coração nem se fala. A sensação é de que ele vai pular pela minha boca a qualquer momento e sair correndo pela porta. Já é de se festejar o fato de eu ter conseguido mesmo entrar aqui.
Minha mãe já me mandou cerca de vinte mensagens tentando me tranquilizar, mas mostrando que nem mesmo ela está tranquila. Meu pai já disse que me ama três vezes, coisa que ele só fala uma vez no ano – que é no Natal (por causa de Jesus, e tal). Sávio, que sabe do meu trauma com avião – por osmose, só de me ouvir falar com Bianka – mandou a seguinte mensagem:
Vai dar tudo certo, Ma ☻
É... Ele nunca manda mensagem.
Todos tentando me passar segurança sem estarem seguros. Eu sei que estão todos com medo e tentando me enganar como uma criança de cinco anos. Mas tudo bem pois são bem intencionados - só que não me tranquiliza.
Bia está ao meu lado com um sorriso que se recusa a ir embora, segurando a minha mão direita (quando eu permito) e repetindo sempre que pode: "vai ser daora, você vai ver". Na realidade, eu não vou ver. Tratei de me medicar bem antes de subir no transporte, com meus antidepressivos que causam sono, e espero, do fundo do coração, hibernar como nunca antes.
São cerca de dez horas de viagem, e eu realmente gostaria de dormir durante todo o tempo, mas sinto que, infelizmente, é improvável, visto que sou um ser humano e ao menos me alimentar preciso. Se eu tiver muita sorte, consigo.
— Você devia ter trazido um livro também — diz Bia, abrindo o livro "Orgulho e preconceito", da Jane Austen.
A encaro fixamente.
— Você acha mesmo que eu conseguiria ler? — comprimo os olhos. Ela ri. — Não tem graça, Bia. Se meu coração parar antes de chegarmos em Atlanta, como vamos gravar?
Ela gargalha dessa vez.
— Não morra, Maria, por favor. Não antes de eu conhecer o gostoso do Steve Harrington.
— Joe Keery, no caso.
— Joe Keery — ela concorda, e está apertando a minha mão.
A aeromoça, comissária de bordo, seja lá o que essa mulher for, anuncia que vamos decolar.
Ok, o meu estômago vai ter que fazer muito esforço para que eu não vomite.
— É agora que começa nossa jornada de vida ou morte — declaro, mordendo os lábios com força e fechando os olhos, me preparando. Mas o voo não levanta automaticamente.
— É agora que começa nossa jornada de arrasar em uma série internacional pela Netflix, minha filha — me corrige ela. — E de conhecer o Joe Kee... — sussurra, mas a interrompo.
— Dá para respeitar o meu momento? — abro os olhos só para demonstrar que os estou revirando, e depois fecho de novo. Mas a ouço rir. Ela sempre ri.
De repente o avião realmente começa a se mover, e sinto como se estivesse em uma montanha russa. Aperto ainda mais meus olhos, minha barriga está fria e as borboletas que moram lá provavelmente morreram congeladas e tudo vai ficando cada vez pior ao passo que o avião sobe. Sinto vertigem, sinto a boca amargar, meu corpo tremer, meus dedos travarem, mas depois, incrivelmente, estabiliza.
Após alguns minutos meu corpo e organismo vão acalmando-se, e abro os olhos. Bia está tranquilamente folheando seu livro. Nem parece que o mundo estava acabando para mim bem ao seu lado.
Momentos antes do remédio que tomei fazer efeito e me causar um sono profundo, estou intensamente reflexiva. Consigo compreender o motivo pelo qual Isaque sempre amou pilotar, a sensação – após o desespero – era mesmo única. E até a agonia causa uma adrenalina quase viciante no corpo. Claro que eu nunca estarei propícia a sentar-me ao lado da janela, mas se eu tivesse a coragem, possivelmente também ficaria apaixonada.
Pois além de sentir, ele enxergava. E guiava.
ઇઉ
Depois de quase cair ao começar a caminhar para fora do avião por conta das pernas bambas, fomos correndo fazer xixi no banheiro do aeroporto, onde vomitei, e pegamos um Uber para o hotel onde ficaríamos hospedadas – tudo por conta da Netflix. Chique, eu sei.
No banho consegui, pela primeira vez em horas, respirar fundo e me sentir um tanto quanto calma. Obscuramente orgulhosa de mim mesma por ter passado por cima do meu maior medo. Estava em terra firme – melhor, na terra firme de Atlanta. Sentia vontade de chorar, mas me recusava, pois sabia o quanto isso me faria sentir culpada depois; e sinceramente, já basta desse sentimento de culpa. Sou mesmo culpada por viver, investir em minha carreira, aceitar novas experiências?
Não. Então, me recuso a permitir que minha mente me autossabote a esse nível desta vez. Só desta vez.
— Como está se sentindo? — pergunto a Bia, dentro do quarto de hotel, enquanto me encosto na cabeceira da cama.
Parece estar em um momento sensível, a ficha caindo. Noto pela forma como me olha.
— Estupidamente feliz — respira fundo. — Feliz por termos conseguido, pela oportunidade que estou tendo, porque cada luta desde o começo da minha carreira está valendo a pena, porque é com você que estou embarcando nessa. Me sinto abençoada. — Quando acaba de falar, seus olhos estão cheios de lágrimas. Sorri para mim e abro os braços para ela vir me abraçar.
Quando nos abraçamos, ela pergunta: — E você?
Como estou me sentindo?
Bem, é definitivamente diferente de como ela se sente. Não quero mentir e nem a deixar desanimada, então conto, mas não tudo.
— Confusa. Tipo... tô muito feliz por esse passo, experiência, chance... pelo reconhecimento do meu talento e do nosso como dupla — faço uma pausa, formulando bem a frase. Bia, por sua vez, assente, indicando que está entendendo. — Mas é uma ansiedade atrás da outra, sabe? Quando penso que posso relaxar um pouco, já tem mais coisa me esperando. Uma pressão — estico o pescoço sentindo minhas costas doerem, de tensão da situação e da viagem.
— Você é complicada — ela me empurra com o ombro e sorri, me arrancando também um sorrisinho. Mas logo fico séria, para prosseguir a explicação.
— Além disso, não paro de pensar em Isaque.
— Isaque... — murmura ela, desviando o olhar. — Sempre lembro dele quando preciso viajar de avião, sabia?
Fico surpresa. Balanço a cabeça negativamente.
— Mesmo não tendo chegado a conhecê-lo, sinto como se ele nunca fosse permitir que o que aconteceu com ele aconteça com qualquer um de nós, especialmente você — ela me encara com um sorriso querendo nascer no canto da boca.
— Como assim?
— Você sabe que sou uma pessoa bastante espiritual. Acredito que ele esteja nos protegendo de alguma forma, por isso viajo tranquila — ela está meditativa. Faço que sim sem responder nada, ainda em processo de captação do que ela quis dizer. Um choro querendo vir na garganta que me faz olhar para cima para evitar.
Não compartilhamos exatamente do mesmo pensamento e ideias, mas ela também sente o que sinto quando digo que, de alguma forma, Isaque ainda está ajudando, mesmo de longe.
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efeito borboleta || joseph quinn
RomanceMaria Júlia é uma jornalista brasileira que atualmente trabalha como editora e criadora de conteúdo para o site midiático Sensation. Há algum tempo sofreu um trauma ao perder seu esposo em um acidente de avião. Ela tem como hobby a dança, onde enco...