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Isso virou um pandemônio. 

Nos foi dado um prazo de três pequenas semanas, após o recebimento do e-mail, para ter a coreografia pronta e enfim participar da reunião no Google Meet transmitindo nossa apresentação ao vivo aos jurados. Seria exatamente na última sexta-feira do mês, e a esse ponto eu e Bia já estávamos destruídas, extremamente cansadas e ansiosas do fio de cabelo às pontas dos pés por cada um dos ensaios desgastantes. Já tínhamos discutido três vezes em uma única semana; cada esbarrão em um móvel era motivo para um colapso mental diferente; a situação estava pior do que quando menstruávamos juntas.

Sávio, esposo de Bia, foi nosso anjo da guarda, e ficava com a gente nos últimos ensaios. Se ainda conseguíamos conviver juntas era por crédito dele, que fazia questão de apaziguar todas as situações de drama. E se serve de conforto, sempre depois das brigas – às vezes depois de Bia se desmanchar em lágrimas – nos abraçávamos e nos pedíamos desculpas, cientes de que quem mais deveria ter misericórdia uma da outra éramos nós mesmas, embora a ansiedade nos impedisse de enxergar.

E com relação à coreografia, sei que sou muito suspeita à falar, mas estava magnífica. Tinha sido criada quase que por inteiro por Bianka, desde a trilha sonora (Like a Virgin, da Madonna, a fim de remeter os anos em que se passa a série), aos passos. Eu apenas ajustei e dei algumas sugestões que foram (milagrosamente) acatadas.

Agora cá estávamos nós, o coração na boca, as mãos geladas, sentindo calafrios e repassando mentalmente os passos ininterruptamente. Já na sala online do Google Meet, esperando só os jurados ativarem a câmera e o microfone, o clima de tensão era quase palpável: todos em um silêncio desconfortável, os corpos sem movimento, os três se entreolhando a cada dois minutos – tudo porque Bianka não queria deixar o microfone desligado e "mostrar prepotência" (palavras dela). Nossa respiração chegava a ser audível.

Além disso, havia uma grande questão.

Bianka não é fluente em inglês. 

Eu tinha passado todo um roteiro do que ela deveria falar, incluindo as hipóteses de a fazerem perguntas – esperadas e inesperadas –, pois, por ser a dona do Studio e também a pessoa que r realizou a inscrição, era ela quem deveria comunicar-se com eles, e não eu. A propósito, nesse momento, além da respiração, eu conseguia ouvi-la sussurrando bem baixinho as repetições de tudo que a fiz decorar, literalmente, em uma folha de papel.

Sávio estava sentado num banquinho de plástico branco ao lado do notebook, bocejando com a câmera já ligada e apontada para nós. Estávamos ambas de pé, devidamente posicionadas, aguardando, e vestidas com a roupa que customizamos com nossa costureira de sempre, que era imensuravelmente talentosa e nos fazia roupas perfeitas para apresentações, vídeos, aulas e o que mais precisássemos. Nossos uniformes eram lindos, de cor bordô.

Meus devaneios são interrompidos subitamente com a tela se enchendo com a imagem de dois homens que acredito serem os jurados. Automaticamente ajeito – ainda mais – a minha postura, e meu coração começa a saltitar em meu peito. Estão de camisa social, um vestido de azul e outro de preto, um mais jovem e outro mais velho, respectivamente.

— Boa noite — saúda o mais velho.

— Boa noite, senhor — eu e Bia respondemos em uníssono. 

Pelo menos o good night, sir, ela conseguiu lembrar.

— Ah, por favor, meninas, não me chamem de senhor. Não estou tão velho assim — ele responde esbanjando um sorriso branco e todo certinho.

Coincidentemente, ao dizer a ela que o saudaríamos chamando-o de senhor, comentei que ele poderia sentir-se ofendido ou brincar com o cumprimento. Mas só expliquei uma vez, então talvez ela tenha esquecido. Dou uma risadinha nervosa e a olho de soslaio: também está rindo. Ela se lembrou. Mas não estou aliviada.

efeito borboleta || joseph quinnOnde histórias criam vida. Descubra agora