Capítulo 08

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ANY GABRIELLY

Respirei fundo e hesitei novamente.

Era loucura, eu sabia muito bem disso. Mas não podia desistir. Fora um pedido da minha avó, não fora? Por ela eu faria qualquer coisa, até cutucar a onça com vara curta.

Mais uma respiração que pegou bem no meu pulmão, uma leve contada até dez e uma repetição de um mantra de: “você consegue”, e pronto: meu punho voou na porta de madeira à minha frente duas vezes.

Bati bem suavezinho, na esperança de que ninguém me ouvisse. Seria um segredinho só meu, sabe? Vovó não poderia me culpar pelo cara ser surdo.

Mas infelizmente a audição dele deveria ser bem boa, porque ouvi a chave sendo virada na fechadura.

Comecei imediatamente a rezar um Pai Nosso, temendo por minha vida, porque sabia que só ele estava em casa com o neném. Era uma quarta à noite, poucos dias depois de nossa conversa extremamente proveitosa – só que não – na varanda de nossos apartamentos, e eu tinha ficado com os ouvidos fofoqueiros ligados por horas no corredor esperando que a porta se abrisse. Já sabia que Noah costumava sair todas as noites, por volta das oito e na maioria das vezes só voltava no dia seguinte de manhã.

Ou seja... eu devia ter muito pouca coisa para fazer para ficar stalkeando meus vizinhos.

Mas agora não dava mais para fugir. Lá estava Josh à minha frente, em toda a sua beleza, seus olhos azuis frios e tristes, em um rosto sisudo que não combinava com o resto. O homem tinha que ser tão bonito? Por que Deus dava tanta beleza a uma pessoa tão antipática?

E por que diabos eu estava olhando para ele como uma idiota? (Você vê que o cara não pode fazer bem a você quando percebe que colocou Deus e diabo tão próximos para se referir a ele)

Com aquela cara bonita, ele ergueu uma sobrancelha, esperando pelo que eu tinha a dizer.

Abri um sorriso sem graça e afastei o guardanapo de papel do prato que levava.

— Vim trazer uns biscoitos que acabei de fazer. São amanteigados de laranja, receita da minha avó. Ela uma vez me disse que você os adorava quando era criança.

O bonitão franziu o cenho, parecendo intrigado. Quem poderia culpá-lo?
Ele certamente estava me achando uma louca.

— E você pensou em trazê-los para mim por quê?

Ah, pelo amor de Deus! Por que ele simplesmente não aceitava os biscoitos? Tinha que complicar tudo?

— Vizinhos não fazem isso? Somos os únicos no andar, estou morando sozinha... Não acho uma má ideia que sejamos amigos. Além do mais, você tem um bebê. Pode precisar de ajuda. Sou boa com crianças.

— Eu tenho uma pessoa que cuida do meu filho.

Grosso!

— Mas ela não fica aí o dia inteiro.

— Quando ela não está, sou perfeitamente capaz de dar conta de um bebê.

Precisei me conter e muito para não revirar os olhos. Com toda a força do meu ser, dei mais uma respirada funda e abri um sorriso mais falso do que uma nota de três reais.

— Mas você pode aceitar os biscoitos, não pode? Fiz a mais, não vou dar conta de comê-los sozinha.

Ele pensou por um tempo. Pelo amor de Deus, quem, em sã consciência, pensava para aceitar biscoitos? Será que a mãe dele tinha lhe colocado tanto medo assim, quando criança, para que não pegasse coisas de estranhos? Mas eu nem era assim tão estranha. Morava no mesmo andar, era sobrinha-neta de uma mulher que ele conhecia, tinha boas intenções. Algumas que ele não conhecia, claro, por causa do tal pedido de vovó, mas não tinha veneno na comida. Eu deveria ficar ofendida, não?

Para a minha surpresa, ele estendeu aquela mão enorme que tinha na minha direção e pegou o prato.

— Obrigado. Era só isso?

— Sim, mas... eu...

— Boa noite — interrompeu-me e fechou a porta na minha cara.

Meu Deus, que ódio! Que homem difícil!

Como era possível que minha avó tivesse um pingo de compaixão por aquele ogro em forma de gente?

Com a porta fechada à minha frente, fiquei parada no mesmo lugar, quase tentada a bater novamente e falar umas poucas e boas ao ser insensível e xingar até sua quinta geração. Mas aí pensei em três coisas, e todas me fizeram voltar para casa.

Uma delas era que provavelmente eu ficaria constrangida e o xingamento mais ofensivo que conseguiria soltar para ele seria: bobão, cara de meleca.
Algo bem maduro assim, porque eu não tinha coragem de ser mais grosseira do que isso. Talvez precisasse fazer umas aulas com ele.

A segunda era que se eu xingasse todas aquelas gerações de sua família, o fofinho do Henry seria incluído, e o menino não tinha culpa pelo pai que tinha.

E a terceira – e que mais pesou, confesso – foi o pedido da minha avó.
Acho que não seria um bom começo se eu dissesse o que penso dele. Não seria um bom início de uma amizade.

Não que ele fechando a porta na minha cara parecesse promissor, mas eu realmente precisava insistir. Uma tentativa frustrada não iria me fazer desanimar.

Ou duas.

Ou três.

Ou quatro.

Ao longo dos dias seguintes eu fiz de tudo para me aproximar de Josh. Sempre nos horários em que ele estava sozinho, ou acabaria dando de cara com Noah, que era bem mais amigável.

Uma barata no meu banheiro foi uma oportunidade perfeita para pedir ajuda, um pote de palmito que eu não conseguia abrir, uma panela guardada em um armário alto... Ou seja, eu já estava ficando envergonhada de tanto tocar aquela droga de campainha. E o pior: Matheus deveria achar que eu estava apaixonada por ele e em uma tentativa desesperada e da pior qualidade de flerte.

Na quinta tentativa, quando ele não atendeu à campainha, embora claramente estivesse em casa, eu comecei a achar que estava pegando pesado.

Talvez fosse melhor dar um tempinho.

Aliás, Sabina concordou.

— O que você queria, Any? Você foi com uma estratégia agressiva. Nem se quisesse casar com o homem deveria ter ido com tanta sede ao pote — ela comentou, com a boca cheia, enquanto comíamos pipoca assistindo à nova temporada de, Bridgertons.

— Casar com ele? Deus me livre! — Fiz o sinal da cruz. — O cara é mais fechado do que uma fortaleza.

— Você disse que ele é carinhoso com o filho, não disse? — Assenti. — A porta para um homem assim é o menino, então.

Fiquei calada, olhando para ela, absorvendo a informação.

Na verdade passei horas fazendo isso, mesmo depois que ela foi embora, pensando.

Fosse como fosse, o que eu poderia fazer? Comprar um brinquedo?
Tentar conquistar a criança quando estivesse com Jenny, que era de mais fácil acesso? Ensiná-lo a dizer o meu nome, para o pai achar que gostava de mim?

Deus, eu estava perdida!

Realmente não me sentia pronta para aquela missão. Eu até era boa com pessoas, mas Josh era outro nível. Só que, para ser sincera, esse fato só me fazia encarar a situação como um desafio.

E quando eu ouvi alguém bater na minha porta, enquanto o choro alto de um neném atravessava a madeira, senti que, talvez, o destino estivesse me dando uma mãozinha.

Continua....

O Último Desejo ¡! BEAUANY Onde histórias criam vida. Descubra agora