Capítulo 06

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ANY GABRIELLY

Não era a primeira vez que eu encarava a morte. Eu e ela parecíamos estar sempre em lados opostos, porque gostava de zombar de mim roubando a vida de pessoas que eu amava. Meus pais biológicos, depois minha mãe adotiva, a mãe dela e agora minha tia-avó. Era isso. Eu estava sozinha.

Por mais que não fosse realmente verdade, já que Sabina, minha melhor amiga, estava comigo desde aquela fatídica noite trágica, era assim que me sentia. Como se o mundo inteiro tivesse sido tragado para dentro da terra e só restasse eu.

Dramático, talvez? Mas o que eu poderia fazer?

Como disse, Sabina vinha dormindo na minha casa desde aquele dia, me ajudara com o enterro e com todo o resto, e naquele momento me incentivara a mexer nas coisas de vovó.

Há dois dias um testamento fora lido, informando que eu era a única beneficiária – como já era de se esperar. Eu não queria dinheiro, apartamentos, obras de arte, muito menos os pertences valiosos da minha avó. Queria que ela estivesse viva, comigo. Queria assistir Casablanca pela milésima vez com ela e vê-la chorando emocionada. Queria preparar algo para que comesse, ouvir suas histórias repetidas da juventude. Sentir seu abraço.

Tivemos um ano inteiro juntas, só nós e era o que as pessoas me diziam para tentar me confortar. Só que não era suficiente. Não depois de tudo o que aquela mulher tinha feito por mim. Ela me dera uma família.

Para estarmos com quem amávamos, não deveria haver tempo limite.

Eu ainda não queria me desfazer de seus pertences. Fazia menos de uma semana que partira, mas uma vez, quando conversamos sobre o futuro, ela me disse que queria que suas coisas fossem doadas o mais rápido possível, assim que falecesse. Na época brinquei, dizendo que ela ainda iria durar muito, mas era irônico pensar que fora questão de poucos meses. Talvez ela soubesse.

Os médicos disseram que foi um infarto fulminante. Como era possível que eu não tivesse notado?

Eu me culpava, por mais que não quisesse fazer isso.

E separar suas coisas me deixava ainda mais melancólica. Roupas, sapatos... tudo seria doado para caridade, mas algumas eu fazia questão de manter.

Sabina me ajudou a abrir gavetas, armários, cômoda... Separamos caixas com tudo especificado, para que o Exército da Salvação fosse buscar no dia seguinte.

Mas algo, no meio de tudo aquilo, me surpreendeu.

Havia uma caixinha, na última gaveta que abrimos, com o meu nome em cima. Escrito na letra bonita e cursiva de vovó, ele se destacava em meio às flores pequenas na tampa, o que me deixou intrigada.

— O que é isso? — Sabina perguntou, e eu dei de ombros.

— Acho que teremos que descobrir.

Fui até sua cama, acompanhada da minha amiga, e me sentei nela com a caixa, retirando o laço que a prendia com cuidado, abrindo-a.

Um suspiro escapou da minha boca na mesma hora, pois a primeira coisa que vi foram retratos. Das mais variadas épocas. Com minha mãe, minha avó e muitas com Márcia, a avó do coração. Pequenas lembranças de vários momentos de nossas vidas, e a maioria delas eu não tinha. Lindos tesouros que me levaram às lágrimas e que eu iria guardar para sempre.

Em meio a tudo isso, um envelope, novamente com o meu nome. Antes de abri-lo, ergui os olhos para Sabina, meio que sem saber o que fazer.

— Eu vou sair para você abrir, ok? — ela falou, já se levantando da cama. Não deveria ser necessário que minha amiga se retirasse, porque provavelmente não havia nenhum segredo naquele papel que ela não pudesse saber, mas não consegui responder. Estava muito absorvida pelas emoções das imagens que vi, das coisas nas quais mexi, então apenas deixei que ela saísse e fechasse a porta.

O Último Desejo ¡! BEAUANY Onde histórias criam vida. Descubra agora