1.9| o último inverno da minha vida

7 0 0
                                    

Janeiro, 1996

    °•·🌻·•°🌻°•·🌻·•°🌻°•·🌻°•·🌻°•·

O plano era começar pelo refeitório, por ser o lugar onde concentrava o maior número de alunos durante as onze horas e o meio dia. Eles teriam dez minutos para implantar as bombas nos banheiros e na biblioteca.

Aí correriam para trancar as portas de saída com correntes grossas, para que ninguém conseguisse escapar do caos. E então, depois que a primeira bomba estourasse, eles pegariam as armas e começariam a atirar.

Eric passou noites sem dormir, pois sempre que fechava os olhos ficava imaginando como seria esse dia. As mãos suavam, o coração batia forte, mas se ficasse acordado conseguiria lembrar-se de tudo que já sofreu nas mãos daqueles monstros e se sentiria menos culpado.

Nas refeições, não comia e nem falava nada. Olhava para os pais e implorava mentalmente para eles perguntarem o motivo daquilo. Mas infelizmente eles estavam ocupados demais para notar algo. Somente Jonathan compreendia-o e o escutava. Jonathan era tudo para ele naquele momento. Sua única fortaleza.

O natal passou rápido, teve neve e muita comida gostosa. Mas também teve briga e socos no quarto dos pais. No dia seguinte, ele convidou os amigos para irem até a sua casa para comer biscoitos em forma de estrela e fazer bonecos de neve.

Foi divertido, e por isso quase nem pensou no seu suicídio. Sadie falou sem parar, contando sobre os seus natais passados, e Eric e Jonathan prestaram bastante atenção. Pois sabiam que ela amava ser ouvida.

Fizeram guerra de bolinhas de neve, deixando até mesmo Lucas e Anabel participarem; montaram um grande boneco de neve e colocaram o nome dele de Kurt. Sadie estava feliz, Jonathan estava feliz. E Eric sentiu-se feliz por eles estarem felizes.

— Você está bem? — Sadie perguntou baixinho, atrás dos seus ombros.

Era de madrugada, os três estavam deitados num colchão e cobertos por vários cobertores na casa da árvore.

— Sim...por quê?

— Ah, é que você está um pouco estranho ultimamente. Não contou nenhuma piada de sexo hoje e nem zoou as minhas roupas. Aconteceu alguma coisa?

Ele sentiu o coração acelerar no peito. Sim. Eu e Jonathan estamos pensando em fazer uma chacina em breve. E sabe onde? Na escola que estudamos! O que você acha disso, hein gatinha? Aposto que ficou impressionada. Isso te deixa com tesão?

— N-não. Não aconteceu nada. Eu só estou cansado. — Mentiu.

— Ah...ok. — Ela soltou um suspiro quente perto do seu pescoço. — Você sabe que pode contar qualquer coisa para mim, né?

— Sim. — Ele procurou as mãos dela embaixo da coberta e as agarrou com força, apertando-as. — Eu sei.

Os dois só teriam uma outra conversa assim meses depois, os lados estariam invertidos. E seria horas depois de um acontecimento imperdoável, que faria o plano sair da teoria.

E então chegou o ano novo, esse foi demorado, entediante e sem graça. Fogos coloriram o céu, teve briga novamente, seu irmão ficou irritado e decidiu dormir fora de casa. Anabel dormiu com Eric, estava com medo dos gritos que vinham do quarto dos pais. Os dois ouviram música na vitrola durante toda a noite.

No domingo, Eric já não aguentava mais seus pensamentos, então ligou para Jonathan e desabafou.

— Você não precisa fazer isso se não quiser. Porra, eu nem deveria ter te envolvido nisso. — Ele se referia ao plano.

— O que? Você teria coragem de fazer sozinho? — Eric se virou para o outro lado da cama, pois o sol atrapalhava a sua visão naquele ângulo.

— Acho que sim. — Ele sussurrava. — Eric...você sabe que quando chegar a hora, não vai ter como desistir não é?

— E-eu...sei.

— É que... — Jonathan respirou fundo, nem ele gostava de dizer o final. — Vai ter que terminar do jeito que eu disse. Nós entraremos lá, mas não sairemos.

— Eu entendi. — Um nó se formou em sua garganta. Não chore, porra. Você é um homem agora.

A linha ficou muda por um momento, só se ouvia o som fraco da respiração deles. E aquilo era agoniante.

— Se você sente que não está pronto para entrar nessa, não precisa. Eu não quero que se sinta pressionado. Ainda seremos amigos. — Jonathan disse.

— Nada fará você desistir não é?

— Eu não sei, Eric. — Ele suspirou. — Esses merdas me fizeram muito mal e continuam fazendo. Eles nao se importam. E eu tenho muita raiva, é tanta raiva que não consigo expressar em palavras. Mas...ainda é apenas um plano.

Uma lágrima escorreu quente por sua bochecha, e Eric limpou rapidamente, apertando a mandíbula com força.

— Eu estou junto com você nessa.

— Tem certeza?

— Sim. — Amigos sempre apoiam uns aos outros, não importa o que seja.

— Certo. Agora tenho que ir, preciso limpar o quintal antes que o meu pai chegue.

Desligou e se cobriu com o cobertor. Não sentia fome e nem ânimo para ir lá fora. Como sabia que não iria para o céu depois do que fizesse, Eric ficou se perguntando como o Diabo tratava as pessoas que matavam as outras por terem sido malvadas com elas.

Beyond Broken HeartsOnde histórias criam vida. Descubra agora