Convivência

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JHON

O café na minha xícara já estava frio.
Fernanda falava sem parar sobre o casamento e a gravidez. Sei que eu deveria estar prestando atenção, já que eu havia ido a sua casa para conversar, e ver se ela e Matheus estavam bem, mas minha mente andava conturbada. Uma temporada fora do país em vez de me ajudar a desanuviar, só me deixou mais instável do que antes.

- Aí um elefante rosa, com bolinhas amarelas, começou a dançar mambo. - Disse enfaticamente.

Semicerrei os olhos e a encarei.
- O quê?
- Não ouviu uma palavra do que disse - Me acusou - Quero saber o porquê. - colocou as mãos na cintura e sentou-se ao meu lado na bancada da cozinha.
Respirei fundo.
- Estou com muito trabalho, e acabei de contratar uma assistente irritante.
- Primeiro - enumerou com o dedo - Você está mentindo. Não estava pensando em trabalho nenhum, e sim na tal mulher por quem... " Não está mais apaixonado" - fez aspas com as mãos - Segundo, porque contratou alguém que te irrita?
Franzi a testa.
- Eu estava pensando em trabalho sim, e não sei de mulher nenhuma - Menti - E eu contratei a moça porque eu devia uma, a ela, e, porque acho que tem potencial.- Dei de ombros.
Fernanda me analisou bem.
Ela estava ainda mais linda grávida. Agora, dava para ver nitidamente sua barriga.
Sorri encantado.

Matheus escolheu esse momento para chegar com Otávio, o filho adotado deles, trazendo um buquê enorme de rosas. Aproveitei a situação e fui embora, desejando felicidades, como sempre fazia. Eles eram perfeitos juntos.

Fui direto para o escritório, pois precisava encher a cabeça de trabalho quanto antes.

Assim que abri a porta, me deparei com a moça que havia contratado. Ela estava de costas, e ao notar minha presença, se virou rapidamente. Hoje, sem a água e a lama, pude notar o quanto era bonita, mas não parecia nada simpática. Pelo menos, não comigo.

- Estava esperando o senhor. Demorou, hein.
- Eu sou o chefe aqui, caso não saiba. - Ironizei, contornando-a, e indo sentar na minha mesa.
Ela ficou em pé, me observando.
- Claro, você é daqueles que abusam do poder. - Debochou.
- Porque não fica quieta, e se senta. - pedi apontando para a cadeira vazia a minha frente.
Revirando os olhos, fez o que pedi.
- Porque me contratou se claramente, não me suporta?
Ajeitei alguns papéis, e a encarei.
- Quem não me suporta é a senhorita. - Parei por um momento - Como você se chama mesmo?
A ouvi bufar.
- Nem o meu nome você sabe. Quer que eu acredite que me contratou pelo meu currículo? Nem deve ter lido, só fingido.
Estalei os dedos.
- Vou te chamar de esquentadinha. - Ponderei sozinho. - E eu vi seu currículo. Quer uma prova? - Levantei o queixo, desafiando-a, embora, estivesse parcialmente certa. Pois de fato, só analisei sua condição, bem depois da sua contratação. Mas, ninguém precisava saber.
Ela concordou.
- Tem curso de computação. Também tem capacitação em secretariado. Fala espanhol fluente, mas o inglês é mediano. - inclinei a cabeça para o lado. - Tem facilidade em trabalhar em equipe, se dispõe a aprender, e basicamente não tem muita experiência com advocacia. - Deferi de uma vez.
- Ok! O senhor fez o dever de casa. - murmurou.
Sorri vitorioso.
- Viu só esquentadinha, eu jamais contrataria uma pessoa para ficar ao meu lado, sem saber o básico.
Se remexendo na cadeira, mordeu o lábio inferior.
- Entretanto, meu nome que é bom, não sabe.
- Vai me dizer? Arqueei as sobrancelhas.
De um salto, se pões de pé.
- Não! Descubra o senhor mesmo. Agora se me permite, vou ser treinada.
Semicerrei os olhos, e escolhi ignora-la.
- Peça para a Silvana te matricular em um curso de inglês on-line, por conta da empresa. Preciso que aprenda, caso tenha que me acompanhar a coquetéis ou viagens. - Ordenei.
Resmungando, deu a volta nos calcanhares e foi embora.

Sozinho, comecei a rir. Apesar de a moça ser irritante, parecia que iria me divertir muito, tento ela como assistente. Havia algo divertido em provoca-la, bem como, tentar provar estar errada sobre mim.

Ao abrir a primeira gaveta da mesa, encontrei seus arquivos. E ali estava seu nome. CECÍLIA. Ela se chamava Cecília. O nome era bonito e combinava com sua forma de ser. Forte, mas, em simultâneo, elegante.

(...)

Passei a tarde toda estudando. Para ocupar meu tempo, peguei todos os casos que estavam disponíveis. Cecília aproveitou, para ir aprendendo a mexer com a papelada. Apesar de um pouco estabanada, ela era eficiente e aprendia rápido. Claro que não deixamos de nos cutucar, o que deixou o serviço ainda mais interessante.

- Isso parece ser difícil. - disparou mais para si, do que para qualquer outra pessoa.
Eu a encarei.
- O processo?
Ela fez que sim com a cabeça.
- Não é tanto. - Comentei sincero. - Logo você vai entender alguns desses termos, e vai se acostumar.
Seus olhos se voltaram para mim.
Eu os sustei por alguns minutos, até que a porta se abriu, chamando minha atenção.

Um sorriso enorme se abriu nos meus lábios.
Ester Molina estava parada na minha frente.
Cecília se levantou, estendeu a mão, e pediu para entrar.
Eu as apresentei brevemente, e pedi para deixar-nos sozinhos.

- Como você está Jhon? - Perguntou com a voz aveludada.
- Bem e você?
- Estou bem, mas fiquei preocupada. Depois daquela noite. - Fez uma pausa- Você foi viajar, depois quando voltou teve toda aquela situação com a Fernanda, horrível, e nunca mais nos falamos. Nem sequer sobre as ONGs. - Me encarou. - Agora você manda os papéis pelo correio?

Engoli em seco, pensando no que dizer.
- Ando ocupado. Muito trabalho, sabe? E aquela moça que você viu, é nova, então pode imaginar. - Disse, sem respirar.
Ester sorriu.
- Tem certeza que é só isso? Não tem a ver com ....
- Não! - Apressei-me em dizer. - Aquilo nunca aconteceu.
- Se você diz. - Deu de ombros, e começou a relatar coisas sobre um desfile beneficente e como obter lucros.

Eu estava escutando, mas, na verdade, me sentia um pouco frustrado com ela ali, tão perto, e tão longe. Ester era linda e inteligente. Mal conseguia tirar meus olhos dela.

Conversamos por um bom tempo.
Todavia, quando fomos nos despedir, ficamos próximos demais.
A tensão era palpável.

Sem jeito, ela segurou meu rosto a fim de me dar um beijo na bochecha, como sempre fazia, mais ao se inclinar um pouco, se desequilibrou, e eu suspirei, ficando a centímetros dos seus lábios. Sem saber como, acabamos nos beijando.

A porta se abriu no exato momento, fazendo-nos sobressaltar.
Cecilia pediu perdão pela interrupção, dando a Ester a brecha que precisava para fugir.
Desconcertado, me joguei na cadeira.

- UAL! - Ouvi uma voz dizer.
Levantei os olhos e percebi que Cecília ainda estava parada, me encarando.
- O que faz aí me olhando?
- Está apaixonado por ela. - ironizou.
- Não estou. E você não viu nada.
- Claro que vi. - Revirou os olhos. - Não só o beijo, como sua cara de tonto para ela.
Bufei alto.
- Saia daqui antes que eu a demita.
- Não seria por justa causa. Por isso, eu fico. - Disse, sentando-se.
- Que seja! Mas, vamos só trabalhar, sem conversar.
- Acho que deveríamos conversar. - Seus olhos castanhos encontraram os meus.
- Sobre o quanto é intrometida?
- Já entendi que não quer falar da mulher que saiu daqui. Mas, porquê?
- Porque se eu não falo, não é real.
- Quem dera se fosse tão fácil. - Lamentou sinceramente, ao tocar no quadril e voltar ao trabalho.

Eu a analisei de soslaio. Algo me dizia que havia uma história por trás daquele comentário. Contudo, cansado de drama, por enquanto, decidi que deixaria passar. Afinal, todos temos o direito de ter segredos. Certo?

APAIXONADO PELA MÃEOnde histórias criam vida. Descubra agora