Prólogo II - Lívia

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O quarto é um domo. Aperto as mãos nos meus braços ao meu redor. Nada pode me ferir aqui. Minhas unhas entram na minha pele e concentro-me nesta dor. O quarto é um domo. De olhos fechados sinto a luz do quarto piscar e ouço a ventania que está na rua. Nada pode me ferir aqui. O quarto é um domo. Eles não podem vir aqui. O quarto é um domo. O quarto é um domo...

- Você é um idiota! Seu covarde!

- Cala essa sua boca! Não demora para alguém chamar a polícia.

- Então que chamem a polícia! Eu te odeio! Eu não sei como vim parar aqui nesta casa com um imbecil como você.

- Eu já disse para calar a boca! Você parece a sua mãe berrando feito uma louca.

- Me solta! Socorro!

- Cale essa boca! Sua maluca. Vai acordar minha filha e eu não respondo por mim.

O quarto é um domo. Eles não podem vir aqui. O quarto é um domo. Aqui é seguro. O quarto é um domo.
Um domo bem forte. Mas eu os ouço. Sinto-me inquieta. A cabaça espremida entre os joelhos. O quarto é um domo. Eles não vêm aqui, mas eu os ouço. Eu os ouço quebrar louças. O quarto é um domo. Posso ver na minha cabeça.

- Você vai me matar.

- Cala essa maldita boca!

Não, não mate a mamãe, por favor papai. Junto as mãos à cabeça. Não quero ouvi-los. Não mate a mamãe. Só não mate ela. O quarto é um domo. O quarto é um domo.

- Maria Sílvia, volte já aqui!

- Você não manda em mim.

- Maria Sílvia! Não no quarto da minha filha. Eu te mato e te enterro nesta casa.

- Eu quero o divórcio. Saia da minha casa. Me solte!
Não, não entrem no quarto. Não venham aqui. A porta é aberta.

- Despeça-se do seu pai, Lívia. Ele está de saída. - A mamãe está meio bagunçada, isso não combina com ela, tem muita coisa errada. Eu concordo com a cabeça.

- Eu não vou ficar longe da minha filha. - Papai aponta um dedo em seu rosto, então vira-se para mim. - Lívia, apronte-se. - Minhas mãos estão abertas tentando segurar o chão.

- Você não vai levar a minha filha para longe de mim. - Mamãe o agarra pela camisa e começa a agredi-lo.

De repente todas as coisas ficam turvas e quase não os ouço mais.

- Sua filha? Ela é minha filha. - Ele a empurra para longe de si. - E quem pediu o divórcio foi você. Arque com as consequências. - Vira-se de novo para mim. - Lívia, mexa-se!

A lâmpada do quarto está piscando sem parar e uma corrente de ar frio invade o quarto pela porta aberta.

- Lívia, fique bem onde está. - Mamãe me encara apontando-me um dedo, seus olhos estão densos e suas pálpebras tremem, é uma ordem.

- Beleza. - Papai ri.

Vejo papai se aproximar, seu sólido olhar castanho me paralisa, ele se abaixa, passa seus braços ao redor do meu corpo e me levanta do chão me levando consigo para fora do quarto. Minha vista está turva. Acho que estou chorando.

- Filha, fique com a mamãe. - Ela nos segue. Sua pele alva está em diferentes tons de vermelho e rosa. Está toda marcada de mãos e dedos. Ela segurou-me pelas mãos.

- Pare de envenenar minha filha contra mim. - A voz do papai torna-se mais dura e seus passos, mais apressados.

- Eu não acredito que você está indo embora. Por favor, García, não vá. - Ela tenta enxugar as lágrimas com os pulsos. - Por favor, deixe-a aqui. Para onde você vai levá- la?

- Ela vai para onde eu for.

- Isto é egoísmo. Ela pode ter algo melhor.

- Papai, vamos ficar, por favor. - Digo-lhe.

Mamãe segura-me pelo braço e começa a me puxar.
- Ela disse que vai ficar! - Sua voz rouca torna-se como um trovão e eu arrependo-me do que disse.

- Ela não decide isso, Sílvia! Solte a minha filha. - Ele está pedindo suavemente.

Meu braço está doendo e começo a gritar de dor.
- Solta, mamãe. Solta, está doendo.

Papai me põe no chão e mamãe me puxa.
- Vá embora, Luíz.

Papai entra no carro e vai embora.

- ÓDIO! - Ela grita para ele. Então vira-se para mim e sorri com o rosto vermelho e os olhos cheios de lágrimas. Se abaixa e me abraça. - Vamos entrar, meu amor. - Diz- me. - Sente dor? - Olha em meu rosto.

- Meu braço ficou para o lado, mamãe. - Queixo- me.

- Deixe-me ver. - Ela segura meu braço e examina- o.

- Vamos entrar, pois vou colocá-lo no lugar.

Mamãe senta-se no sofá e me põe em sua frente. Ergue meu braço e em um único movimento o põe no lugar. Esta dor é pior que a primeira. Mas ela cobre minha boca para que não grite.

- Shhh, passou. - Ela me abraça. - Tens fome? - Ela sorri. - Talvez eu deixe você comer a sobremesa primeiro hoje. Você quer?

- Uhumm. - Faço que sim com a cabeça.

- E que tal um bolo de chocolate? - Pergunta-me. - Sim. - Digo-lhe tentando sorrir apesar da dor.

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