Capítulo XIV - Alfredo

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Eu sinto tanta falta da Suzana! Desde o momento em que nossos olhares cruzaram-se e fixaram-se um no outro eu já sabia que me casaria com ela, e isso aconteceu quando tínhamos 8 anos de idade. Éramos melhores amigos, aliás, ainda somos, pelo menos ela ainda é a minha melhor amiga, e essa amizade só cresceu com o passar dos anos e quando transbordou transformou-se em amor.

Casamo-nos aos 18 anos e aos 20 anos tornei-me pai, porque assim como transbordamos em amizade, transbordamos também em amor. Éramos apaixonados e nosso amor era tanto que não cabia apenas a nós mesmos, precisamos multiplicar para dividir, é o que ela dizia-me. Demos o nome de Maristela para o pedacinho de nós dois. Nosso casamento não suportou perdê-la. Aquele doutor todo de branco que com uma única frase mudaria toda a minha vida. Resolvi odiá-lo. Também porque não me restavam muitas opções. Suzana despencou ao receber a notícia do falecimento de nossa filha, mas no instante seguinte perguntou pelo bebê que ela esperava. E o bebê estava bem. Agarramo-nos na responsabilidade de cuidar e amar alguém que merecia de nós mais do que nossa própria filha, a quem amamos incondicionalmente, porque era a filha de nossa filha, a quem ela amava incondicionalmente. Fomos convidados a entrar no berçário e segurar nossa netinha, mas quando chegamos ela já não estava lá. Procuraram por todo o hospital, mas ela havia sumido. Toda a nossa esperança e força para viver nos foi arrancada. Entramos em contato com o energúmeno do ex marido de nossa filha, mas a filha dela não era dele. Já estavam em separação de corpos meses antes de Maristela engravidar. Lamentou profundamente e pediu que o mantivéssemos informado a respeito do sepultamento de Maristela, pois ele sentir-se-ia imensamente agradecido de poder prestar este último gesto de amizade a ela, mas ele em nada podia ajudar-nos quanto ao paradeiro de nossa neta.

Esta busca durou meses, e, mais tarde, anos, mas ela nunca apareceu. Entrou para a lista de crianças desaparecidas sem ter ao menos uma foto para ser identificada. Dois anos após a morte de nossa filha, a nossa vida era repleta de sofrimento e condenações de culpa. A culpa era minha por implicar com o Luiz Garcia quando eles casaram-se fazendo-a afastar-se de nós. A culpa era dela por nunca para de falar nem por um segundo sequer quando telefonava, porque nas semanas seguintes Maristela não atendia-nos mais. E na verdade a culpa nunca foi de ninguém. Minto, a culpa era daquele doutor de branco que trouxe-nos essa notícia terrível, a culpa é toda dele e eu o odeio ainda que a culpa nunca tivesse sido sua. Que mal pode fazer-lhe o ódio de um homem que pela tristeza tem um pé e meio na sepultura?

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