Capítulo XXI - Doutor Alexandre

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"Existe algo perturbador e muito fascinante na forma como uma pessoa se dá conta de que não é mais uma criança. A gente começa a adolescência fingindo que sabe ser adulto. Fingindo que entende de tudo. Começamos a fingir que as coisas ruins não nos machucam mais, porque queremos que acreditem que estamos preparados, nos sentimos preparados para qualquer coisa. Os hormônios começam a agir no nosso corpo e a nossa forma de pensar muda completamente."

"Existe algo de muito tolo no adolescente que é deixar de fugir do perigo. Começamos a querer nos responsabilizar por muitas coisas, mas não quer dizer que somos responsáveis. Tomamos atitudes impulsivas compulsivamente com a finalidade de provar que crescemos, isso tudo porque o jovem adora pular fases. Quando somos adolescentes nos vemos mais próximos da vida adulta do que da infância largada para trás, estamos prontos para mudar de fase. Qual será o próximo passo? Nos perguntamos compulsivamente. E na tentativa de provar que podemos tanto quanto um adulto, tomamos atitudes cujas consequências são pesadas demais para suportarmos. Percebemos, afinal, que nunca estivemos preparados."

"O real início da fase adulta é marcado de medos, incertezas, receios, reservas. Algumas decisões mal tomadas na adolescência podem deixar marcas para a vida inteira, e agora estamos apavorados. Já provamos o sabor amargo do arrependimento, sabemos o peso da culpa, não somos mais inocentes, cometemos erros, graves ou não, mas erros que tiveram consequências assombrosas. E o arrependimento tem o poder de nos fazer traçar toda a nossa história sem aquele erro. Superestimamos o nosso presente paralelo, porque o peso da culpa às vezes nos faz acreditar que toda a nossa existência fracassou. Imaginamos que se não tivéssemos batido aquele carro velho dos nossos pais e quebrado o nariz na colisão seríamos top models. Imaginamos que se não tivéssemos largado aquela namoradinha ou namoradinho perfeito do colégio hoje seríamos um casal feliz e bem sucedido. Existe, porém, uma linha tênue entre o excesso de culpa e sentir o arrependimento saudável para não cometer os mesmos erros novamente. É neste ponto que Maria Sílvia Piccoli Richter se diferiu dos demais."

"Estamos falando de uma criança que foi muito amada, pais presentes e unidos, sem traumas infantis ou nada que possa explicar sua conduta. Na adolescência, um prodígio. Sílvia, como gosta de ser chamada, fala fluentemente seis idiomas, tem uma habilidade impressionante para o esporte, e por isso já praticou vários deles. No início da fase adulta, começou a sair com amigos novos e eles gostavam de festa, ela ia para as festas, eles gostavam de beber, e ela bebia, eles gostavam de jogos de adrenalina, e ela saltava de pontes, praticava corridas ilegais, fazia pequenos furtos apenas para satisfazer sua necessidade de adrenalina. Se acostumou a não responder pelos erros que cometia. Aprendeu sozinha que crimes perfeitos jamais são resolvidos, porque jamais são descobertos."

"Quando a gente olha para uma criança que presenciou uma tragédia e ficamos com o peito apertado por ser apenas uma criança, é porque sabemos o quanto uma criança não sabe de nada, nos lembramos de como coisas pequenas nos afetavam, e o pior de tudo é que constatamos que mesmo adultos não estamos preparados. Mas existe um senso de justiça dentro de nós que determina que nós temos a responsabilidade moral de proteger as crianças de traumas e tragédias mesmo que para isso ponhamos nossa vida em risco. A Sílvia não concorda. Este instinto não está nela. É uma pessoa adulta com a irresponsabilidade de um adolescente. O problema é que essa mulher sabe pular de uma altura de seis metros, corre mais que a maioria dos agentes em campo, atira como uma sniper e sabe esconder cadáveres."

- Doutor, uma atualização do caso acabou de ser publicada. - Um jovem de camisa social branca levanta a mão no auditório.

- Atualização? Foram encontradas? - Pergunto.

Ele se levanta, com sua roupa alinhada, barba bem feita, olhos azuis redondos e um óculos fundo de garrafa. Ajeita os óculos no rosto e anuncia:

- Um corpo foi encontrado esta manhã na cidade de Frankfurt. Há especulações de que seja Maria Sílvia, mas o corpo está desfigurado demais para ter sido identificado. - Neste momento eu não o podia mais escutar. Onde estaria a menina Lívia agora? Passo a mão pela braba e depois pelos cabelos jogando-os para trás.

- E quanto à Lívia? - Pergunto-lhe. - Não foi localizada.

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