Capítulo XX - Luiz Garcia

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"O carcereiro demora para trazer a minha comida e esta é a maior perturbação da minha rotina atualmente. Diferente de esconder cadáveres, roubar crianças, explodir carros e torcer para tudo dar certo e você não deixar minha filha para morrer. Tu me ferrou, Sílvia. Mas está distante de ter sido agora, tu me ferrou faz 15 anos."

"Você está me punindo por não te amar, por não poder te acompanhar nos seus desejos, não fui capaz de satisfazer os prazeres dos teus instintos sombrios, está me punindo por permitir que a minha voz se calasse quando a sua gritou. A parceria que você exigiu de mim foi além do que eu podia te dar. Mas eu te dei tantas coisas! Outro homem não te deixaria ir tão longe. E agora você me retribui desta forma?"

"Sou um homem implorando por meias limpas para esquentar os pés, água morna para o banho e um pouco de comida embora eu saiba que todas essas coisas sempre chegam a mim todos os dias tornaram-se os únicos motivos da minha ansiedade. Você não matou minha filha, certo? Ou não teria mais com o que me torturar."

"Amar você é de um pesar enorme. Não posso brigar contigo nem quando está me matando e você não cansa de causar a minha morte. Vem matando o homem que eu era desde que me conheceu. Primeiro matou o bom marido. Depois matou o bom professor e eu perdi o emprego na faculdade. Então matou o bom pai quando permiti que me roubasse minha filha. E na tentativa de matar o ser humano que sou fez de mim um homem terrível acobertando e participando do seu prazer sujo e maníaco em torturar as pessoas, você sabe de quem estou falando. Aquela coisa que você faz para alimentar seu ego e sentir a adrenalina crescer ao ponto de ter poder até para arrancar de um peito o coração. Mas isso progride, Maria Sílvia, e progrediu. O habitual não era mais suficiente, cortar as pessoas te deixa em êxtase."

"Você detesta sentir medo, e só não sente medo quando se sente poderosa, e só se sente poderosa quando machuca todos ao redor. É estranha a sensação de que você ainda me ama, sabe? Todos os seus beijos são quentes e pegam fogo, acendem em mim algo além do natural. Você é eternamente apaixonada, visceral, e eu adoro que seja assim. Sua paixão por mim destruiu a boa pessoa que você estava se tornando e em retribuição você decidiu me destruir, afinal, éramos um casal e devíamos remar no mesmo ritmo."

"Eu sempre te compreendi, meu amor, eu sempre vi você. Eu não queria perder sua confiança. Não queria perder o seu amor. Não queria te perder. As pessoas dizem que bons casamentos se fazem a partir do amor e do perdão às falhas do outro, e eu estava pronto para perdoar todas as tuas falhas e fazer nosso barquinho andar. Estou preso, mas não sou cúmplice, sou marido. Reuni tudo o que a Maristela cobrava de mim e entreguei a você. Para quê? Para se voltar contra mim e me destruir completamente. Eu achei que estava te amando, mas destruí a nós dois. Minto, juntos destruímos a nós dois."

"Se eu pudesse te pedir uma coisa eu pediria para não destruir nossa filha. Éramos boas pessoas quando começamos, eu me lembro bem. Seja a mulher doce que me encantou. Não seja uma mãe tão dura. Não a faça chorar tanto. Não grite. Não bata. Não cobre muito dela. Permita que ela escolha hobbies diferentes dos seus. Se puder fazer isso, eu vou te amar ainda mais. Eu não ligo de estar preso agora. Eu sempre soube que nossos joguinhos acabariam mal para um de nós e te conhecendo bem eu sabia que não seria você a se ferrar. Amo você."

Entrego a carta para o investigador de polícia que a lê com os olhos fixos no papel.

- Muito obrigado pela cooperação, Sr. Garcia. - Diz- me ele. - Acredita que suas palavras possam motivá-la a algum passo em falso? Algo que nos dê pistas?

- Bem, eu penso que se vocês sabem para onde mandar a minha carta, vocês já têm ideia de onde ela está. E eu não consigo entender o motivo pelo qual eu ainda estou preso acusado de sequestrar minha própria filha que é órfã de mãe. - Cuspo as palavras com ódio.

- Eu não posso dizer mais do que já disse. O caso está em segredo de justiça e o senhor ainda é investigado e acusado de ser cúmplice da Sílvia. Mas estamos felizes que esteja cooperando conosco e com a prisão da Sílvia a sua situação mudará bastante. - Diz-me levantando-se e abotoando o paletó.

- É sempre um prazer cooperar com a polícia. - Digo-lhe por fim.

O investigador sai da sala e o carcereiro vem para me retirar e me levar de volta à minha cela. Entre os dedos uma folha de papel com as palavras que eu deveria cuspir na cara daquela vagabunda. Despejar tanto ódio no papel me motivou às boas palavras e ao incondicional amor. Logo o amor que é condicionado a uma relação inversa com a satisfação e o bom senso, quando em palavras, incondicional, este papel equilibra a maldita equação. Não menti em nenhuma das cartas, mas não queria entregar aquela.

"Eu queria abrir a sua cabeça e estudar com um microscópio cada reação neurológica que faz esta máquina pálida de ondas vermelhas funcionar com tanta maldade. Eu pegaria um bisturi e fatiaria seu cérebro em mil partes até entender você de verdade. Sim, eu sempre te vi. Eu conheço a sua maldade e a sua vontade de superar isto vez após outra. Mas seus motivos eu nunca conheci."

"Sua maldade me excita! Você gosta de derramar sangue, é o seu vício. Mas não qualquer sangue, Sílvia. Você escolhe a quem machucar. Por vezes eu achei que seria o próximo a ter o crânio esmagado na frente da minha filha enquanto meu sangue respingava nos seus cabelos e isso me dava calafrios. Eu realmente te abomino! E por muitas vezes imaginei as minhas mãos ao redor do seu pescoço delicado apertando, apertando, apertando até sua pele alva ganhar rubor e ficar roxa. Eu me via fazendo isso quase toda noite quando te observava dormir. Talvez a grande diferença entre mim e você seja essa: Eu penso demais."

"Criei uma verdadeira obsessão pelo seu cérebro e queria abrir a sua cabeça para vê-lo. Oh, como eu quero! Analisar cada ruga desta massa cinzenta que te faz existir achando graça da ironia que acompanha o fato de que neste momento você já não existiria mais."

"Maria Sílvia, todos os seus ossos de fibra, como eu queria quebrá-los um a um como a gravetos ressecados pelo sol! Mas te pouparei dos detalhes. Por ora."

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