- Não fique aí parada! Me ajude. - Ela disse-me abaixada.
Havia um homem no chão e tinha muito sangue. Sua camisa de botão era branca listrada de azul e estava aberta expondo uma camiseta branca que ele usava embaixo. Sua calça jeans era larga demais nas pernas, e para prendê-la na cintura ele usava um cinto de fivela escurecida. Acho que era dourada quando ele comprou, mas agora estava escura. O sangue repousava numa enorme poça sob seu corpo e escorria em algumas direções.
- Pegue a lona dentro do carro. - Ela ordenou-me. Mas eu estava imóvel. - AGORA! - Seu grito ecoou por todo o lugar.
Eu corri até o carro, abri a porta de trás e peguei uma lona que estava toda dobrada. Ela levantou-se do chão, suas mãos pingavam sangue e estava muito suada. Ela pegou a lona das minhas mãos.
- Entre no carro, sente-se no banco do passageiro, na frente, e não saia de lá até que eu mande. - Disse-me com certa urgência.
- Mamãe, não é melhor ligar para a polícia? - Eu tinha 11 anos e estava morrendo de medo.
- Você está louca? - Ela largou a lona ainda dobrada em cima do morto. Deu um passo para frente e segurou- me pelos ombros. - Eles me levariam presa e te colocariam num orfanato. Você sabe o que acontece com as crianças grandes como você? As que não são recém-nascidas? Elas nunca encontram uma família, vivem para sempre no orfanato sendo espancadas e sofrendo abusos. - Ela me soltou. - Agora vá para o carro e leve meu celular. Assim você pode decidir entre me obedecer e me entregar para a polícia. Vai pensando nas suas opções. Papaizinho não vai ficar com você. Ele não te suporta.
Eu comecei a andar para o carro com o telefone na mão. Não conseguia pensar em nada, apenas não queria ir para um orfanato. Abri a porta do carro, entrei e fechei. Apenas esperei por horas. O mais difícil era o medo. Eu estava com medo de tudo. Estava com medo dela me machucar. Medo de alguém chegar e me levar embora para um orfanato. Medo dela estar certa e meu pai não me suportar. Eu olhava para o celular e tinha medo dos meus dedos decidirem sozinhos ligar para alguém, então o joguei dentro do porta-luvas e fingi que não existia. Até que ela voltou. Entrou no carro e levou o carro até o homem morto. Desceu do carro e arrastou o homem até o porta-malas, o abriu e jogou o corpo lá dentro. Bateu o porta-malas com tanta força que me fez estremecer.
- Vá para o banco de trás. Acabei colocando o cara no porta-malas. Anda, rápido. - Disse-me.
- Mamãe, não quero ficar perto dele. - Pedi.
- Isso não é negociável, mas eu sei que é horrível, meu amor. - Ela sorriu para mim. - Por isso a gente pode tomar sorvete quando tudo acabar. O que acha?
Sorvete? Começo a chorar. Vou para o banco de trás. Como podemos tomar sorvete depois disso? Não tinha coragem para confrontá-la, bem como ainda não tenho. Sentei-me e coloquei o cinto de segurança. Ela arrancou com o carro. Saímos da cidade, pegamos uma estrada onde tinha mato dos dois lados, não via nada construído por, pelo menos, meia hora de viagem. Ela entrou com o carro numa estrada de chão e parou bruscamente.
- Saia do carro. - Disse-me ao sair também.
Assim que saí do carro ela o ensopou por dentro com gasolina, os bancos de trás e da frente, e também o porta-malas onde encontrava-se o pobre coitado que sabe-se lá porquê foi morto. Depois fechou todas as portas e jogou gasolina por fora, então começou a empurrar o carro para um barranco. Quando ele começou a cair ela acendeu um isqueiro e o jogou no carro que pegou fogo instantaneamente. Ela virou-se para mim sorrindo, correu em minha direção, eu me encolhi, estremecia de medo, segurou-me pela cintura e jogou-me para o alto, caí no chão com pouco equilíbrio, mas consegui manter-me de pé. Meu coração estava tão acelerado. Ela beijou-me no rosto.
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Border
General FictionLívia é uma jovem de 15 anos com uma família difícil e uma vida atribulada. Após a separação de seus pais, algumas lembranças da infância que tinham sido apagadas pelo tempo vem a tona revelando uma série de segredos e uma face mais nítida da verdad...