Capítulo XXII - Lívia

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3 meses antes.

- Lívia, chegou o dia. - Ela se vira para mim enquanto prende o cabelo rente à cabeça com grampos. - Eu não vou ter como proteger você se não me ajudar. - Põe uma das mãos sobre o ferimento na barriga. - Estou muito debilitada, filha. Eu cometi erros crassos e agora tem pessoas que querem muito tirar a minha vida. - Ela coloca uma peruca de cabelos pretos cacheados que vão até os ombros. - Talvez eles não saibam como fazer isso, mas vão querer me atingir de qualquer forma, eles vão tentar machucar você para me fazer vacilar. Eles sabem que eu só pararia por você. Eles vão tentar te usar, vão te fazer chorar em todo tipo de programa de televisão para me fazer sofrer onde quer que eu esteja até eu não aguentar mais e voltar. E então eles te dirão que eu estou presa, mas estarei morta. - Ela chega perto de mim e levanta meu rosto. - Se você errar hoje vai matar sua mãe. Se você deixar de confiar em mim hoje vai me condenar à morte. Você entendeu?

- Sim, mamãe. - Digo-lhe.

- Preciso ter certeza de que entendeu isso. - Ela insiste.

- Eu confio. - Digo-lhe.

- Então se apronte. A última coisa que queremos é ser reconhecidas no aeroporto. Pode se vestir do que quiser, menos de Lívia. - Diz-me sorrindo ao apontar uma prateleira cheia de perucas variadas.

Passei os olhos pela prateleira com cuidado e escolhi uma peruca grisalha de rabo de cavalo.

- A partir de agora me chame de mãe. - Digo-lhe. Ela sorriu pondo as mãos sobre a boca.

- É perfeita! - Diz-me. - Você nunca me deu tanto orgulho, querida. Acho até que vou mudar um pouco meus trajes também. - Ela diz-me se afastando um pouco.

Eu sinto meus olhos tremerem. Debilitada porra nenhuma. Quando foi que eu comecei a pensar com palavrões que nem digo? Ela vai me matar. O maldito dia chegou. Ela vai me sacrificar para fugir.

Pego meu elástico vermelho de prender o cabelo e coloco na peruca.

"- Vai fazer isso por quanto tempo mais? - O Dr. Alexandre me perguntou. - É que seu pulso está quase da cor deste elástico.

- Eu faço quando preciso me acalmar. - Disse-lhe sem parar de puxar o elástico e soltar contra a pele.

- E em quê isso te ajuda? - Perguntou-me.

- Faz com que as pessoas saibam que eu preciso de ajuda. - Disse-lhe.

- Eu te ajudo. Já pode parar. E eu parei."

- Mamãe, preciso que faça meu rosto de velhinha! - Digo, indo até ela.

Trocou seu cabelo por um modelo masculino, um corte parecido com asa-delta, lembra um pouco o cabelo do Ranger Azul, meu amigo gamer. Os fios são tão finos que parecem cabelo de verdade.

- Não me chame de mamãe. Me chame de filho. - Ela começa a rir. - Vamos fazer o seu rosto, vai ser um inferno enrugar essa pele tão novinha. - Ela arruma alguns fios da minha peruca.

- Estive pensando, o que vamos fazer com os documentos? Quero dizer, eles devem ter como distinguir um falso de um verdadeiro.

- Não pense muito além do que precisa. Foque na tarefa que dei a você e cumpra-a com perfeição. Isto será suficiente. - Ela segura meu rosto e eu sinto um pincel gelado espalhar cola na minha pele. Ela cola pequenos pedaços de um papel muito fino no meu rosto e volta a passar o pincel. - Quero expressões bem marcadas, uma pele cheia de vincos. - Ela diz sorrindo.

Ela está quase terminando meu rosto quando sou tomada por um profundo medo e começo a tremer.

- E se eles me pegarem? - Pergunto-lhe.

- Eles não vão pegar você. - Diz-me com rispidez revirando os olhos.

- Quero dizer, você tem ensino superior, você vai pra um lugar tranquilo, as pessoas vão me matar na cadeia de menores. - Estou falando rápido demais e começo a ter vontade de chorar.

- Ninguém vai pra cadeia, Lívia! - Diz-me apontando para o sofá. Eu sento no sofá. - Ninguém vai pegar a gente, ninguém nunca pegou a gente. - Ela se abaixa na minha frente me encarando. - Por acaso eu já deixei alguém pegar você? Por acaso eu já deixei alguém tirar você de perto de mim? Eu te protejo. Eu sempre te protegi e sempre vou proteger. Está com medo de quê?

Eu engulo em seco.

- Eu te fiz perguntas, Lívia. Eu já permiti que alguma coisa acontecesse a você? Me responda!

- Não, mamãe. - Eu abaixo a cabeça.

- Não faça isso. Olhe nos meus olhos. - Ela levanta meu rosto. - Eu protejo você.

- Tenho medo de ficar para trás. Não me deixe para trás. - Tenho vontade de chorar.

- Eu não vou te deixar para trás. Eu não vou deixar minha filhinha para trás. Eu cuido de você. O mundo é um lugar difícil e eu sei que você precisa de mim. Você não pode fazer o que eu faço, e está tudo bem, porque eu faço por você. Confie em mim. Você confia? - Ela me pergunta com os olhos fixos nos meus.

- Eu confio. - Não vacilo.

- Bom, eu vou fazer a minha pele. Lembre-se de não pensar demais. Faça o que eu disser e vai dar tudo certo. Eu prometo. Vai ser difícil, mas depois a gente pode fazer um lanche para lembrar do quanto somos fortes. Uma sobremesa da boa. Apfelstrudel! - Diz-me entusiasmada. - Minha mãe fazia para mim e depois que passarmos por isso eu vou fazer para você. Vamos comer todos os anos nesta data e será uma tradição. Esqueça bolos bobos de chocolate e malditos sorvetes de flocos, tudo vai mudar. - Ela se levanta e volta para a penteadeira. - Você só tem a mim, mas eu também só tenho você. Não é bom para mim que você fique, eu vou sofrer. E não é bom para você que eu vá presa, quem protegeria você? Não temos motivos para desconfiar uma da outra. - Ela cola pequenos fios no rosto, criando uma barbinha mal feita. - É por isso que mais uma vez eu vou cuidar de você e garantir que não entre em pânico. - Ela me olha. - Você usa cadeira de rodas. Eu vou te levar para onde eu for. Serei suas pernas outra vez, como quando era criança. Vou te carregar nas costas de novo. Você não precisa ter medo.

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