Capítulo VII - Doutor Alexandre

62 15 84
                                    

Eis ali a minha criança. Suas orelhas estão vermelhas e suponho que tenha sofrido novamente uma agressão por parte da mãe, mas quando vai me contar?

- Que coisas? - Incentivo-a.

- Meu pai começou algo que só vai machucar todo mundo, algo impossível de trazer resultados para ele. Quero dizer, qual a chance de alguém me tirar da minha mãe para me deixar com o meu pai? Minha mãe conhece as leis, ela não permaneceria nessa briga se não tivesse a certeza de que vai levar, sabe? Meu pai só está nisso para "causar". - Ela bufa impaciente. - Eu estou tão cansada dele!

- Bastantes coisas, não é mesmo? - Faço uma pausa. - Mas vamos considerar uma coisa de cada vez. Então seu pai não tem chance de ter a sua guarda. A preferência é sempre da mãe, está certo, ele realmente não tem motivos nem chance nesta questão. Certo?

- Zero chance, ele está completamente louco se acha que a mamãe vai deixar ele levar essa, porque ela não vai. - Ela ri.

- Certo. A sua mãe só continua nisso por ter certeza de que vai levar a melhor, ela conhece as leis, não é mesmo?

- É. - Ela responde secamente, isso a deixa impaciente.

- Então a sua mãe não ficaria nisso se não soubesse que vai levar a melhor, mas o seu pai sim.

- Não é a área intelectual dele, neste âmbito ele é bastante limitado. - Ela fala com um tom de voz mais baixo que o habitual e com menos confiança. Não tem certeza do que diz, mas acredita ser o correto.

Está sendo alienada.

- Então, que motivação seu pai tem em continuar com essa questão? - Pergunto-lhe.

- É uma guerra infantil que eles travaram entre si. Os dois não estão nem ligando para as consequências disso tudo. Eu já vi isso acontecer tantas vezes! Ela nunca perde.

- Se ela nunca perde, por que seu pai ainda está nisso? - Incentivo-a.

- Eu não sei. Eu me perdi nesse "rolê", está bem? - Ela bufa. - Ele apenas não deveria.

- Não acha que por amor alguém possa entrar numa disputa que tudo indica estar perdida? Algumas vezes você já me disse aqui que acredita que o amor é capaz de fazer coisas impressionantes. - Tento conectar duas convicções dela, para que faça sentido na cabeça dela e ela me dê mais informações.

- Pode ser que sim. O amor também nos tira completamente a racionalidade. - Ela cospe as palavras com desprezo.

- Lívia, suas orelhas... - Começo mas sou interrompido.

- Não quero falar sobre elas. - Diz-me rispidamente.

- Não precisa falar, mas estão pingando sangue no divã. Você quer um lenço? - Ofereço-lhe.

Ela levanta de assalto, olhos arregalados, leva as mãos às orelhas e corre para o banheiro.

- Ou isso. - Digo. Em meu criado mudo, abro a primeira gaveta onde encontro uma caixa de curativos. Pego dois deles e fecho a gaveta. Ao que ela sai do banheiro ofereço-os a ela. Está com o rosto molhado e escorre para o pescoço. Está encabulada. Pega os curativos em minha mão e volta para o divã colocando-os um em cada orelha. - Você está bem? - Pergunto-lhe.

- Sim, muito melhor. - Ela responde-me.

- Lívia, serei direto. Eu quero te ajudar. Mas a cada sessão você me tranca em uma sala escura e dá-me pistas falsas. Eu olho por uma pequena brecha na janela desta sala, que é o que seu corpo, sua aparência, sua postura me indicam, mas não é suficiente. Você precisa me dar mais informações. - Respiro fundo. - Lívia, tenho medo do que será da próxima vez, como você estará semana que vem. Deixe-me te ajudar.

- Não tem que ter medo. - Ela diz-me com tranquilidade. - Semana que vem já não venho mais.

- Não é assim que funciona. Nós temos um acordo. Nós combinamos isso juntos e deveríamos decidir o melhor momento para você parar juntos. - Explico-lhe.

- Minha mãe e eu decidimos isso no carro. A situação da minha família não está legal e tem coisas que merecem maior atenção. - Ela faz uma pausa. - Já deu a hora. Não vai terminar a sessão?

- Eu posso te ajudar. - Digo-lhe mais uma vez. - Pare de proteger quem te faz mal. Seja sua prioridade.

- Você não faz ideia. Ela é muito pior do que você pode ver. - Diz-me ela. - Agora eu vou embora. Não vou abraçar você, porque eu detesto me despedir. Vai ser melhor assim. Eu vou ficar bem. A mamãe me ama.

Essa seria a última vez em que veria a menina Lívia antes de todo o caos que virou espetáculo internacional. A vi sair de meu consultório machucada e com medo. Ela é pior quanto? Essa questão implica comigo. Por tratar-se de uma criança e por ser minha paciente. Em termos populares estou "cagando e andando" para os demagogos que juram ajudar um paciente sendo completamente imparciais, limitando-os à empatia que é direito de qualquer um. Eu reajo mesmo. E quer saber mais? Todos reagem. Ninguém faz nada senão por uma motivação muito clara.

BorderOnde histórias criam vida. Descubra agora