Capítulo Trinta

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Sexta-feira, 4 de Abril de 1986.

    Tudo antes da hora do jogo é um borrão. Normalmente, eu estaria preso nos armários, desinteressado, ou sentado no fundo com os outros substitutos, lutando para acompanhar as táticas do treinador. Hoje está melhor. Por causa da pequena reunião de Jason no almoço, não muito do que o treinador diz é novidade para mim, embora não seja mais compreensível.

    Estratégia e conversa fiada passam zunindo pela minha cabeça, entrando e saindo dos meus ouvidos. Eu sei que é uma coisa importante, mas criei o hábito de não ouvir, porque nunca sou substituído de qualquer maneira. Além disso, se eu for substituído hoje, tenho certeza de que me dirão exatamente o que fazer. O que aprendi até agora é que o mais importante é eu ir lá e tocar meu coração. Mesmo com algo em que não sou tão bom - como basquete - a chave para o sucesso permanece a mesma: ser eu mesmo.

    Depois de nos dar dicas sobre o que observar em seus melhores jogadores, o treinador nos incentiva a não nos determos no nome do time, a purgá-lo da memória.

    — Hoje, eles são um oponente sem nome e sem rosto. — A saliva sai voando de sua boca enquanto ele fala. — Tudo o que eu quero que vocês vejam são as cores da oposição, uma multidão de corpos a serem atravessados em nosso caminho para o campeonato. Eu quero que vocês passem por esses corpos. Quero que vocês vão lá e joguem até suas juntas doerem, seus olhos lacrimejarem, seus joelhos sangrarem. Seu sangue, suor e lágrimas - é isso que eu quero ver naquela quadra.

    Tenho certeza de que todos os outros companheiros de equipe vão jogar pelo campeonato, mas não eu. Pelo menos não principalmente. Se eu conseguir mostrar meu sangue, suor e lágrimas, será para mim. Vou lá para me escolher, para abraçar todos os meus defeitos e fraquezas, para mostrar sem medo o verdadeiro Lucas Sinclair ao mundo.

...

   Depois da conversa tática, é hora de entrar em quadra.

    O time visitante sai primeiro. As vaias são mais altas do que os aplausos, o que me diz que temos uma multidão maior do que o normal.

    Um barulho ensurdecedor nos recebe quando entramos na quadra. A torcida está bombando, a banda no volume máximo, as arquibancadas lotadas. Achei que o pep rally foi o auge do meu tempo neste time, mas me enganei. Mesmo que eu não pise naquela quadra, mesmo que não ganhemos este campeonato, esta provavelmente será uma das melhores noites da minha vida.

    Subimos para o hino nacional. Nossa cantora é uma brilhante e animada transplantada de Nashville chamada Tammy Thompson, que, ao que parece, costumava estudar aqui. Voltando para Hawkins? Essa é a primeira vez. Assim que ela começa a cantar, porém, fica claro por que ela voltou tão cedo. Enfio o dedo na orelha para fingir que estou tirando cera.

    Com as luzes apontando para baixo na quadra e nos meus olhos, é difícil ver bem as arquibancadas, ainda mais lotadas. Mas algo em mim já sabe que meus amigos não estão aqui.

    Meu peito aperta. Quero ficar triste, zangado, talvez até vingativo. Mas, em vez disso, estou apenas desapontado. Metade porque eles não vão conseguir me ver na mínima chance de eu tocar no maior palco da minha vida; a outra metade porque eles não conseguem me ver... se tornar.

    Terminado o hino, sento-me no banco, a bola é lançada e o jogo começa.

...

Stranger Things: Lucas on the LineOnde histórias criam vida. Descubra agora