Capítulo 28

21 2 1
                                    


Gwen observou tudo e todos, com novos olhos. Olhos que pela primeira vez, sentiu que eram seus. Sentindo como se pudesse enxergar uma mera mancha de fuligem a uns bons metros na coluna de mármore, não tendo apenas exatidão em sua visão, sendo capaz de ouvir o chiar de uma correnteza a uns bons quilômetros, com o rio do outro lado da cidadela de cima. Talvez se fizesse um certo esforço, até mesmo poderia sentir o aroma morno do rio.

Sentia o fogo sobre si, as chamas que eram uma parte sua, sua própria essência queimando. Como seu próprio fôlego regular, ela conseguia manter aquele fogo baixo, normalizado. Porque desejava que assim o fosse, queria isso. E de alguma forma, o poder respondia.

Piscou, vendo uma barreira sendo desfeita acima deles, o brilho ametista clareando de relance, os liberando de sua contenção.

Mais a frente, Westyn ria como um idiota.

— Deu certo! — ele dizia afoito. — Deu certo pra caralho!

— Eu ainda não acredito nisso. — Liryan deu tapinha nas costas de seu companheiro, os olhos na direção dela. Podia enxergar o alívio e cansaço ondulando por ele. Mas acima de tudo, um sorriso.

— Eu nem acredito que isso funcionou. Deuses! — ouviu uma voz dócil, tão aliviada quanto eles, quando Nora exclamou.

— Mas eles ainda estão nessa forma... — a voz de Raven se sobrepôs entre todos.

Gwen levou o olhar para o seu semelhante, avistando Skye, quase arfando com a visão que teve. Do ser de fogo, queimando a alguns metros.

Não era nada como a forma do Vale, dessa vez sem chifres ou o tamanho avassalador. Ela conseguia distinguir sua forma nua por debaixo de cada camada de suas chamas azuladas.

Ele também a fitava com curiosidade. Diferente da forma que a olhou no Vale antes de a trazer de volta. Seja luz, Gwen. Ele dissera uma última vez antes de ela os consumir com seu fogo.

Os olhos etéreos pareciam cantar uma cantiga para ela. Sondando seu estado em uma pergunta silenciosa. Ela respondeu em um mero piscar.

Agora era diferente, ela sentia que era. Não sabia como explicar. Mas no mar revolto daquele poder, entre a escuridão e as chamas queimando, ela ouviu a voz de Westyn a atingir.

Cada maldita palavra os provocando.

Enquanto se afogava na imensidão daquele poder desconhecido e colossal, perdida, enquanto ele assumia o comando de seu próprio corpo, a tornando sua prisioneira.

Só havia o breu. O vazio oco e solitário. Era quem era. E quem sempre fora. De repente, havia uma voz. Máscula, esnobe, cheia de si, e tão familiar. A instigando em um chamado.

Ela viu o fio prateado surgir sob a escuridão como se uma faísca se acendesse em um ambiente fechado. Ou como uma estrela solitária rasgando um vasto céu escuro em sua queda estratosférica.

Sua mente trabalhou quase que no mesmo instante, se lembrando das instruções que foram feitas nos últimos dois dias. Sobre sua conjuração. Sobre seu poder e autocontrole.

Sobre como ela realmente tinha medo dele, da rejeição que ele continuava a ter sobre ela.

A ideia do seu próprio poder a rejeitando, não aceitando a reconhecer, quem ela era, a fazia se sentir em um buraco sem fim. O fato de possuir um poder que nunca imaginara ter, e que no fim, não a aceitava.

Ou talvez no fundo, fosse apenas Gwen rejeitando a si mesma. Ao que tinha se tornado. Ao que agora era.

Durante os últimos dois dias Gwen se queimara e se odiara por não obter resultado algum em manejar sua magia. Sua. Seu poder.

SOMBRA DE CINZAS Onde histórias criam vida. Descubra agora