Bárbara Passos
Segurei na barra de segurança da varanda e olhei lá pra baixo. Se eu pulasse daqui, o máxima que podia acontecer era quebrar uma perna, o que é muito melhor que uma mordida de cachorro. Ia arriscar, preciso trabalhar, tenho uma audiência importante hoje no Tribunal da Justiça aqui do Rio.
Tirei meu Louboutin enorme e coloquei na minha bolsa, calcei uma sandália mais confortável. Me escorei com dificuldade na grade de segurança por conta da minha mão machucada, fechei os olhos, tomei coragem e pulei. Não sei nem como aconteceu, só sei que eu me espatifei no chão e lasquei com o meu joelho. Nada muito grave, só ralou.
Agradeci mentalmente a Deus e ajeitei meu cabelo, passei pelo Pitbull do outro lado do portão e fiz careta pra ele. Sei que ele não tem culpa de nada, o bichinho só é bem treinado, maldade é o dono dele usá-lo pra fazer essas coisas.
Não sabia muito bem onde andar por aqui, mas supus que era só descer essas ruas todas. Porém como nas ruas eu corria mais risco de ser pega por alguns soldados do Coringa, eu optei por ir cortando caminho por becos e escadões. Me arrependi muito, porque essas veias me causaram arrepios.
- Tá indo pra onde doutora? - Um cara enorme e armado entrou na minha frente. Sorri sem graça pra ele e tentei seduzi-lo com meu sorriso lindo. - Manda um rádio pro chefe FP. - Falou com seu colega.
Nem deu nem tempo deles moverem um múculos sequer, quando vários rojões foram estourados no céu claro. Não demorou cinco segundos e um helicóptero começou a sobrevoar a região. Os dois caras saíram correndo, destravando suas armas enormes.
Não sabia se ficava aliviada ou assustada. Continuei andando e me encostei em um muro, daqui eu pude ver que era um helicóptero da Polícia Militar. Com certeza, é invasão e não demorou muito para meus pensamentos se confirmarem, uma chuva de tiros começaram a ser disparados. Até tiro de metralhadora era escutado, armas potentes mesmo, o barulho era insuportável.
Fiquei um pouco paralisada, nunca tive que presenciar uma coisa dessas. Optei por ficar no mesmo lugar, quietinha e aparentemente segura. De longe eu conseguia ver uma mulher com três filhos pequenos, um era até de colo. Ele conversava com um moleque e tentava a todo custo tapar os ouvidos das crianças que estavam assustadas. O moleque e ela estava tendo uma "discursão" e ela pedia em um choro desesperado pra ele não descer, ela dizia que estava sentindo que algo ruim ia acontecer.
Dito e feito, sem mais nem menos, o moleque tomou três tiros, um certeiro na cabeça. Coloquei a mão na boca e a mulher começou a gritar desesperada, se ajoelhando em cima do corpo do menino que provavelmente era seu filho também. Nunca na minha vida, eu vi uma cena tão dolorosa assim.
Comecei a andar até ela, mas parei quando dois policias começaram a abordar ela que estava desolada, abraçada no corpo do filho. Até então era uma abordagem normal, mas começou a passar dos limites quando pediram pra ela tira todos os pertences da sacolas, estavam tratando a mulher como uma criminosa na frente dos filhos que choravam desesperados, querendo o colo e abraço da mãe. A mulher sabiamente se recusou a ser humilhada de tal forma e um dos piliciais deram um tapa forte no seu rosto e em seguida lhe deram um mata leão, a imobilizando totalmente.
Pensei em ir lá até pra ajudar, mas se eu fosse, isso não ia dar em nada. Eles iam sair impunes como sempre saem e semana que vem, mês que vem, ia voltar e fazer os mesmos absurdos. Então minha única alternativa, foi pegar o meu celular e filmar toda à aquela cena de abuso de poder.
Um dos policiais jogou ela no chão e colocou o joelho no pescoço dela, enquanto ela se debatia. O outro só pegou sua bolsa, largou tudo no chão e ficou vasculhando tudo. A mulher estava sendo humilhada por nada... E é isso que me deixa com ódio, porque ela estava sendo tratada dessa maneira porca por simplesmente ser favelada, não tinha outra opção.
E ainda sou obrigada a ouvir da população que a polícia são os heróis da sociedade. Como uma criança vai ter respeito e admiração por um policial dessa maneira? Vendo a sua mãe ser jogada no chão igual lixo, como um nada. É daí que cresce a revolta nesses jovens da favela, porque é recorrente, acontece todos os dias. Eles nunca vão ser os heróis e as vítimas disso tudo.
- Doutora? - Senti alguém agarrar meu braço com força e imaginei ser o Coringa, mas por incrível que pareça, era o Alex. - O que tu tá fazendo aqui? Eu acho melhor tu não postar essa filmagem, pode dar ruim pra tu.
Bárbara: Expor os fatos da violência dos seus amigos, vai dar ruim pra mim? Isso é abuso de autoridade, vocês não tem deireito nenhum para fazer isso. - Parei a filmagem e guardei o celular.
Alex: Bárbara, com todo o respeito, mas o que tu entende disso aqui? Não há vitória nenhuma sem luta doutora, pra nós conseguirmos nosso abjetivo que é acabar com o tráfico, precisamos fazer isso. Os moradores vão acabar pagando, mas a vida é assim, sempre vai haver mortes. Lugar errado, na hora errada, lei da vida.
Todo o interesse que eu sentia por ele, acabou de morrer aqui ao ouvir tamanha barbaridade. Então quer dizer que pra eles conseguirem o que quer, não importa quantas vidas inocentes vão ser perdidas?
Alex: Te aconselho a não expor isso. Não vai dar em nada linda, vai acontecer o mesmo de sempre, vão asfaltar os polícias responsáveis e dois meses depois, eles voltam. É nosso trabalho! - Passou a mão no rosto saiu.
Nunca que eu vou me isentar de uma coisa como essas, eu tenho voz ativa e vou usá-la pra expor essa podridão. Impossível se omitir nisso, eu estaria sendo tâo suja quanto eles.
Uma emissora era carniceira ao máximo, adorava ganhar audiência em cima de tragédia dos outros e suas reportagens era totalmente sensacionalista. Pra eles até cantores de funk e rap são associados no crime e favelados com eles não tem vez. Tirando que são corrompidos pelo governo, adoram chupar as bolas do presidente.
Então a minha única alternativa foi enviar tudo para a maior emissora do país. Assinado com o meu nome embaixo, não ia me esconder não e se precisasse eu ia parar no tribunal em nome de todos nesse lugar.
E agora fica aí uma reflexão... Toda essa guerra entre traficantes e policiais, resultam em que? Além de vítima muitas e muitas pessoas inocentes? Só aumentando mais e mais as estatísticas...
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Coração Bandido
FanfictionPlágio é Crime! Eu posso fazer tudo, ser melhor do que na última vez e fazer bem melhor do que seu ex um dia te fez... "Mente criminosa, coração bandido. Não posso fugir desse meu instinto".