Heráclito de Éfeso afirmou cerca de 500 anos antes de Cristo que a única constante da vida é a mudança. Tudo está sempre mudando, tudo está sempre em movimento, algumas mudanças desejamos e nos movimentamos em direção à elas. Outras, entretanto, nos pegam de surpresa e se impõem de forma abrupta.
Para algumas pessoas, essas mudanças ocorrem como nos versos da canção Mysterious Days de Sarah Brightman: "a vida está mudando como as dunas, que vagam pela noite". De um jeito contínuo e lento, novas oportunidades surgem e aquilo que não faz mais sentido vai embora sem deixar vestígios. Entretanto, para outras, essas mudanças vêm como um enorme combo, atropelando, com a força de uma avalanche, levando tudo que encontra pela frente.
E foi exatamente isso o que aconteceu com Heitor. Após um ano de intensos trabalhos e provas na faculdade, misturados à rotina do estágio, ele e sua turma do terceiro ano da faculdade de administração se reuniram e fizeram um churrasco de confraternização no primeiro fim de semana de dezembro em um espaço com churrasqueira com uma cozinha simples, piscina e dois banheiros, alugado especialmente para isso. A organização aconteceu na última quinzena de novembro e no dia do evento, ele, como sempre, chegou atrasado.
– Aeee! Finalmente apareceu! – disse Flávio, um colega de turma – Só faltava você por aqui!
Naquele dia, Heitor dormiu até mais tarde e ainda precisou ajudar a mãe e a irmã a comprarem os preparativos de um jantar especial, no qual o pai iria dar, nas palavras dele, uma "grande e importante notícia" para todos da família.
Flávio estava com uma camisa regata preta, bermuda de praia colorida e chinelos azuis e se aproximou com uma lata de cerveja, que entregou para o amigo. Ele sorriu agradecido e depois se afastou até um grupo perto da piscina e ficou conversando com algumas garotas.
– Demorou para chegar. – disse Natalie, uma garota de sua turma com quem ficava de forma séria, mas sem nenhum compromisso apesar da exclusividade acordada entre eles e de todos dizerem que ambos eram namorados.
– Oi, gata! Tudo bem?
Neste momento, Flávio pulou dentro da piscina ainda com roupa e o impacto de seu corpo fez a água golpear o grupo onde Heitor estava.
– Flávio, seu filho de uma puta! – disse o quase namorado de Natalie.
– Foi mal! Juro que não foi de propósito... – ele disse sorrindo e jogando água com a mão no grupo que estava do lado de fora da piscina. Heitor, na sequência, entregou o celular para a quase namorada, pulou na piscina e começou a atacar o amigo.
Os dois começaram a brincar de lutar dentro da água e Flávio, após imobilizar seu oponente, chegou em seu ouvido e disse:
– Você fica se engraçando com a Natalie, mas sei que o que você quer só eu tenho. Quando eu for embora, você sai logo depois e a gente se encontra lá em casa. Meus pais vão viajar daqui a pouco para buscar meu irmão e estarei livre até amanhã à noite.
Flávio então soltou o adversário e provocou:
– Perdeu, otário! Isso é para você não tentar mais se engraçar comigo.
Flávio jogou mais um pouco de água em Heitor e saiu da piscina rindo enquanto caminhava em direção à churrasqueira. Heitor ficou observando o outro se afastar e admirando o corpo atlético e de altura mediana de seu jovem amigo, e, às vezes, ficante. Ele estava todo molhado e com as roupas igualmente encharcadas, realçando o corpo com poucos pelos e pele morena clara. Quando chegou perto da churrasqueira, ele passou a mão em seus cabelos pretos curtos e lisos, sacudindo-os para tirar o excesso de água, encarou Heitor com seus olhos negros e sorriu, dando uma piscadinha logo depois e sorrindo enquanto passava as mãos no queixo sempre bem barbeado.
Heitor saiu da piscina e foi em direção à Natalie, que disse ao vê-lo se aproximar:
– Você está todo molhado. Só fico quando você estiver seco.
Ele caminhou em direção a uma das cadeiras à beira da piscina e sentou para aproveitar o sol se secar. Não conseguia parar de pensar no convite de Flávio, mas precisava pensar em como dispensar Natalie, que já tinha até procurado um motel perto do local do churrasco, onde os dois iriam se encontrar antes do jantar em família.
Ela era uma mulher muito bonita, com quem muitos rapazes da faculdade desejavam ficar, mas um convite como o de Flávio soava muito mais interessante. Os dois, quando ficavam, aproveitavam oportunidades como a volta para casa após alguma festa ou coisa assim. Pensou, ainda, em propor para o amigo que iria dormir na casa dele após jantar com a família, mas precisava dispensar Natalie. Olhou de longe para ela e ficou observando os cabelos cacheados, a pele branca e as curvas que o biquini vermelho fazia em seu corpo de estatura mediana. Ela se mexia ao som da música que rolava na caixa de som colocada em um canto do espaço e então do nada olhou para ele e sorriu docemente. Heitor observou aquelas duas lindas esmeraldas em seu rosto e sorriu. Ela mandou um beijo para ele e disse:
– Já secou?
– Ainda não... – ele respondeu sem se preocupar se estava seco ou não, pois queria pensar em tudo o que estava acontecendo.
– Quando secar, me avisa.
Enquanto isso, na churrasqueira, Flávio começou a beijar uma jovem que se aproximou e os caras ao redor começaram a comemorar. Ela se afastou e ele disse:
– Não esquece de passar o telefone depois.
Heitor então se levantou, foi ao banheiro, trancou a porta e ficou se observando em um espelho pendurado na parte de trás da porta. Tirou a camisa vermelha, a bermuda preta e ficou apenas de sunga. Mexeu em seus cabelos e começou a olhar o próprio corpo refletido enquanto pensava em Flávio e Natalie.
"Tudo isso pode ser apenas uma aventura passageira", repetia para si mesmo mentalmente enquanto observava seu corpo moreno alto, magro e definido, o cabelo preto, cacheado e curto, a barba por fazer e os dois brincos que usava na orelha esquerda.
Por fim, fixou o olhar em seus dois olhos castanhos, parou a repetição mental, respirou fundo e disse para si mesmo: "É isso! Coragem, cara!".
Heitor pegou as roupas que estavam no chão, saiu do banheiro, se aproximou de Natalie e disse que precisava conversar com ela. A garota então colocou a mão em sua sunga, viu que estava seca e concordou:
– Eu disse que a gente só iria ficar se você estivesse seco. – ela disse rindo enquanto ia atrás dele.
Os dois caminharam em direção às cadeiras da piscina e ele disse:
– Natalie, eu sei que a gente combinou de sair mais tarde, mas eu não vou poder.
– Heitor, como assim?
– É... Eu não vou poder ir com você no motel como a gente combinou. Tive um imprevisto e...
– Mas, Heitor! A gente combinou a semana inteira. O que aconteceu para você não poder sair comigo?
Neste momento, ele percebeu Flávio se aproximar por trás do casal e dizer:
– É, cara, o que aconteceu que você não vai poder sair com a sua namorada?
***
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Coisas da Vida
RomanceHeitor é um jovem universitário com uma vida aparentemente perfeita, mas seu coração guarda um amor improvável. De repente, o pai anuncia que a família está de mudança para São Paulo e ele vê sua vida mudar radicalmente. Na nova cidade, ele precisa...