Coisas da Vida

Fim da linha

Talita sentou-se em uma poltrona de frente para os pais e Armando começou a falar:

– Minha filha, acho que todos sabemos o motivo dessa reunião de família e não preciso me alongar nisso, mas gostaria de deixar bem claro que não sou contra você ter seus namoricos aqui e ali. Entretanto, não posso aceitar que você transforme em um motel a sauna do nosso condomínio, pois lá é um local de uso comum e quem paga a multa e fica tendo de encarar os olhares dos vizinhos sou eu.

– Porque você e a mamãe são hipócritas. Aliás, os moradores todos dessa espelunca são hipócritas. Não vejo a hora de sair daqui. Todo mundo faz isso, vira e mexe tem algum casal preso na sauna e já teve até dois casais que se prenderam lá dentro numa madrugada e nem preciso dizer o que eles estavam fazendo.

– Talita – disse a mãe – não é porque todo mundo faz que você vai fazer também.

– Eu lembro dessas situações todas e os casais, na época, foram punidos por excesso de barulho e, como eles eram inquilinos, o dono do apartamento acabou convidando-os a se retirar. Nós não alugamos esse apartamento, quem tem que administrar todo o bafafá que seus atos geram sou eu. Talita, imagina estar numa reunião de condomínio e alguém resolve tocar nesse assunto? Você imagina a vergonha que eu vou passar? Além disso, eu sei que essa não foi a primeira vez que você fez isso e aquele moço não foi o primeiro e certamente não será o último. Veja bem, você pode sair com quantos caras quiser, desde que se previnam e não façam da sauna do condomínio um local de pegação.

– Tá, pai, vamos acelerar o assunto. Você e a mamãe se reuniram e decidiram que vão cortar a minha mesada, é isso?

– Bem, – continuou a mãe – Eu e seu pai nos reunimos e decidimos que vamos pagar apenas a sua faculdade, como sempre fizemos, e seu celular. Ah, e também vamos cortar o seu cartão de crédito. Ou seja, você vai precisar trabalhar, encontrar um estágio ou algo assim e quando você tiver o próprio dinheiro, aí você pode voltar a ter tudo novamente e vai começar a pagar por todas as mordomias que nós sempre te demos.

– Eu e sua mãe vamos te ajudar a encontrar uma oportunidade de trabalho e, enquanto você não encontra, nós vamos te dar uma ajuda de custo para as despesas com as aulas e locomoção pois decidimos, também, tirar o seu carro. – emendou o pai.

– Pai, isso não é justo!

– Como é que é, Talita? Quem comprou o carro fomos eu e sua mãe, te demos no aniversário do ano passado, lembra? Levamos você na loja, você escolheu um modelo com tudo o que você queria, eu e Fátima colocamos um pequeno adicional na sua mesada para ajudar a custear o combustível, você não paga nada de manutenção e você ainda vem dizer que não é justo que tiremos o carro depois de tudo o que aconteceu?

– Minha filha, – disse a mãe estendendo a mão – me dê a chave do carro, por gentileza. Eu vou com ele para casa e decidi usá-lo por quanto tempo eu e Armando julgarmos necessário.

– Ah, primeiro a senhora sai de casa, arruma um namoradinho mais novo, casa com ele e agora vem tomar o meu carro?

– Eu não estou tomando o seu carro, garota! – disse a mãe em tom irritado.

– Fátima, por favor, se acalme. Deixa que eu resolvo... – tentou intervir o pai.

– Não, Armando. Essa menina precisa ouvir umas verdades. Eu e seu pai sempre acobertamos todos os seus atos. Lembra o que aconteceu quando você morava comigo? Precisei chamar a polícia e você fez aquele escândalo no prédio, me acusou de ser injusta, disse que eu te abandonava em casa nos finais de semana para procurar homem. Isso nunca aconteceu! Você lembra disso? Aí seu pai te trouxe para morar aqui, você começou esse namorico com o moço lá da sua faculdade e a gente pensou que finalmente as coisas entrariam no eixo, mas não. O que você fez? Trouxes diversos caras para cá para transar com eles na sauna. Nós ficamos quietos, achamos que era uma fase, que logo iria passar, mas também não... Isso se não tiver mais histórias por aí que a gente não conhece.

– Filha, entregue a chave do carro para a sua mãe e vá para o quarto. Depois conversamos.

Talita se levantou, pegou a bolsa e o caderno, jogou a chave do carro no chão e disse:

– Eu não quero mais esse lixo. Se quiser, pode vender. – ela disse isso e logo depois se trancou no quarto.

Armando, percebendo o leve abatimento de sua ex-exposa, disse:

– Fátima, você está bem?

– Eu estou, Armando. Obrigada!

– Eu não sei a quem essa garota puxou ou onde erramos. – continuou ele.

– Acho que sempre facilitamos muito as coisas para ela, essa é a verdade. Eu vou para casa, colocar a cabeça no lugar... Ouvir essas palavras da própria filha não é fácil, você deve entender.

Armando desceu até a garagem do condomínio junto com ela e checou se a filha não tinha esquecido nada dentro do veículo. Ao se despedir, disse:

– Fátima, vá em paz. A Talita vai fazer drama por alguns dias, mas depois volta ao normal. Você conhece a nossa filha. E ela não vai ficar desamparada pois eu vou levá-la na faculdade todos os dias e também vou buscar.

– Eu quero levá-la alguns dias também, Armando.

– Depois a gente combina isso. Nos primeiro dias eu levo e depois a gente reveza.

Os dois se abraçaram e na sequência ela entrou no carro e deu partida.

Enquanto isso, no apartamento de Armando, Talita estava no quarto, andando de um lado para o outro. Tentando conter a irritação, respirava fundo e xingava os pais mentalmente enquanto dizia para si mesma:

– Isso não vai ficar assim. Eu vou dar um jeito nessa história e sair dessa casa. Eu não preciso deles e consigo provar isso para quem eu quiser.

Ela percebeu o celular vibrar, olhou a tela e viu uma mensagem de Vitor. Ela ignorou a notificação dizendo irritada:

– Um banana como você não vai me ajudar em nada nesse momento. Eu preciso dar um jeito de levantar uma grana e tentar resolver esse problema do carro, pois não quero ficar dependendo de nada e nem de ninguém.

Então, ela abriu um largo sorriso, pegou o celular, localizou um contato que ela nomeou como John e mandou uma mensagem enquanto dizia para si:

– Mas, eu sei quem pode me ajudar e o que exatamente devo fazer.