Coisas da Vida

Nem sempre dá para resistir mais uma vez

Heitor olhou assustado para amigo e disse:

– O que você está fazendo aqui só de cueca, cara?

Natalie se aproximou dos dois e disse:

– Ah, não, Flávio!

– O quê? Não está bom assim? Se vocês preferirem, eu tiro a cueca! Assim entro com tudo, ou, melhor, entro sem nada, e prontinho, no clima do casalzinho.

– Como você consegue ser tão inconveniente? Toma jeito, cara! Você vai ser pai, tem uma noiva... – disse ela.

– Como você subiu aqui, Flávio? – perguntou Heitor.

– Meu pai é dono do hotel, esqueceu? E umas carteiradas aqui e ali ajudam a resolver qualquer coisa.

– Sai daqui, Flávio! – disse ela tentando fechar a porta.

– Você quer continuar a festinha sem mim, Natalie? – disse Flávio segurando a porta com a mão.

– Para mim chega! Eu vou embora! Heitor, tudo o que eu disse é verdade, mas não vou conseguir me despedir do jeito que eu queria. Boa sorte na nova cidade! – ela pegou a bolsa e saiu do quarto.

– Melhora essa cara para não assustar o pessoal da recepção. – disse Flávio em tom de deboche.

Heitor abaixou a cabeça e disse:

– Que bosta, cara! Porque você fez isso?

– Quer dizer que para sair comigo o senhor não estava no clima. Mas para sair com a sua quase namoradinha, rapidinho você encontrou clima. – disse Flávio em tom irônico.

– São coisas diferentes, você sabe.

– A única coisa de diferente aqui é que você gosta mais do que eu te dou.

– Ah, cala a boca! Olha a merda que você fez, cara!

Heitor entrou no quarto para vestir a camisa e foi surpreendido por Flávio que bateu a porta e o abraçou por trás.

– Eu sei que você quer. Só mais uma vez, a nossa última vez... – ele então virou Heitor de frente para si e continuou – Só mais essa vez. Depois você vai embora, eu passo a ser um homem casado e com uma mulher grávida em casa. Por favor! É a última coisa que eu vou te pedir.

Os dois se beijaram novamente e o segundo, sem conseguir reagir, se entregou totalmente ao prazer único que seu parceiro proporcionava. Cerca de três horas depois, Flávio se jogou suado na cama ao lado de Heitor e disse:

– Acho que a última foi a melhor e a mais gostosa que a gente fez em todas as vezes que ficamos juntos.

O outro ficou em silêncio e Flávio, estranhando, continuou:

– O que foi? Você não gostou? Eu te machuquei?

– Não, cara. Eu não quero ir embora. Eu gosto disso que a gente vive, desse desejo secreto que a gente tem e de sair com a Natalie enquanto...

– Eu sei... É por isso que eu vim aqui quando vi você entrando com ela. – interrompeu o outro.

– Você agora é um homem quase casado, cara, e seu pai é conhecido na cidade. Precisa tomar jeito e muito cuidado.

– Suellen não é e nem nunca foi mulher de um homem só e eu também não vou conseguir ficar só com ela por muito tempo. Por um acaso ela ficou comigo e engravidou, mas, deixa esse turbilhão passar, essa criança nascer e eu vou propor para ele que a gente fique juntos, crie o nosso filho, mas cada um tem a liberdade de se divertir como quiser sem dar satisfação um para o outro. Tem tanto casal que faz isso: mantém um casamento de fachada e... Ah, você me entendeu! Aí, você termina a faculdade, arruma um trabalho por aqui e a gente pode voltar a se divertir juntos. Que tal?

– Eu realmente gosto disso que a gente vive, mas não sei se estou a fim de entrar nesse jogo.

Flávio deita em cima do parceiro e diz olhando fixamente nos olhos dele:

– Você é o único cara que me interessa. E eu sei que vai sentir a minha falta e acabar voltando. E mesmo que você fique com outro cara ou outra menina, eu ainda vou continuar sentindo esse desejo por você. E tenha certeza: esse desejo que sinto por homem é só seu.

Os dois se beijaram mais uma vez e, após alguns instantes, Heitor empurrou Flávio, se levantou e disse:

– Eu preciso ir embora.

Depois, os dois se vestiram e Flávio disse enquanto também se vestia:

– Quando for sair pela recepção, passe com cara de choro. Vou dizer para a recepcionista que estávamos conversando e te dei uma notícia ruim. E deixa que fica por minha conta essa festinha aqui.

– Fica quieto, cara.

Depois, saiu do quarto, passou sério pela recepção e Flávio surgiu logo depois:

– A estadia dele e da namorada foi cortesia minha. Tive que dar uma notícia ruim e precisei atrapalhar ele com a namorada. Ela não gostou muito, mas paciência... Deixa que eu aviso meu pai. Só lança aí no sistema.

Heitor foi caminhando e olhando cada pedacinho da cidade que deixaria para trás. No meio do caminho, Flávio passou, buzinou, parou o carro e disse:

– Não esquece do que eu falei. Você vai acabar voltando e nada vai importar: eu vou continuar querendo você.

Heitor ficou em silêncio. Mesmo sentindo um intenso desejo pelo seu amigo, a vida que ele propunha após o casamento não era o que o futuro morador de São Paulo queria de fato. Não achava justo e saudável viver em um casamento de aparências e, por isso, e também considerando o desejo que sentia por aquele parceiro, sempre dizia que não queria casar e nem mesmo fez questão de assumir um relacionamento estável e, digamos, com alguma denominação formal com Natalie. Ele observou o carro ganhar velocidade novamente até se tornar um pequeno ponto na extensão da rua. Alguns minutos depois, chegou em casa e encontrou a mãe na sala comendo um lanche com Marina:

– Nossa! Mais dez minutos e eu mandava a polícia te procurar. A despedida da Natalie estava realmente muito boa, hein? – ironizou a irmã.

– Não seja maldosa, garota.

– Tá, desculpe! Comprei um lanche para você também. Come logo antes que esfrie. E ainda bem que você chegou agora ou ia comer gelado. – disse a irmã mudando de assunto.

Heitor foi para a cozinha e comeu o lanche enquanto pensava em tudo o que tinha acontecido. Depois, foi para o quarto terminar de arrumar as malas.

No dia seguinte, no fim da tarde, o avião com Heitor e sua família pousou em São Paulo. Eles pegaram um táxi, foram para o apartamento, e ele, pensando em seu último encontro com Flávio, foi para o quarto, colocou as malas em cima da cama, abriu a janela, observou as luzes da cidade e disse para si mesmo:

– Hora de recomeçar e de desbravar essa cidade.