Esse é o meu irmão

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Heitor não conseguiu disfarçar o nervosismo.

– Sou eu sim. Só um instante, por favor. – respondeu ele.

Marina, muito atenta, disse:

– O que aconteceu, maninho?

– Marina, eu vou atender essa ligação e depois a gente conversa.

Ele deu alguns passos para se afastar da irmã e disse, enquanto caminhava um pouco à frente:

– Oi, senhor Armando. Pode falar.

– Bom, desculpe ligar a essa hora no domingo de manhã, mas eu precisava muito falar com você. Antes de tudo, gostaria de pedir desculpas pela forma como te tratei naquele dia em que... Que... Que... Enfim, naquele dia em que a gente se encontrou aqui no condomínio. Eu pensei um pouco melhor e você não tem nada a ver com a questão envolvendo a minha filha. Concordo que vocês não deveriam estar ali e daquele jeito, mas não posso te culpar por algo que, descobri recentemente, vem ocorrendo com alguma regularidade e não apenas com você. Peço que me desculpe, mas não gostaria que se repetisse.

– Tudo bem, senhor Armando. Eu agradeço muito a sua gentileza e fico chateado que a gente tenha se conhecido numa situação tão... é... tão...

– Constrangedora. Concordo! – interrompeu o homem do outro lado da linha – Não sou ingênuo e nem idiota, sei que minha filha já faz essas coisas e qualquer rapaz que se interessar vai ceder aos encantos dela. O problema foi onde tudo aconteceu. Mas, conversamos muito e ela disse que te induziu a isso e que você tinha sugerido outro local. Então, te peço minhas sinceras desculpas e espero que aceite.

– Fique tranquilo. Se está tudo bem para o senhor, para mim está melhor ainda.

– Muito obrigado e bom domingo.

Heitor desligou o telefone e caminhou de volta até perto da irmã.

– O pai da Talita me ligou. Ele ficou sabendo de tudo e disse que não gostaria de ver a filha envolvida nessa história desse jeito. Mas, ele entende que ela não foi muito honesta no geral e só pediu para eu me afastar pelo menos até ela resolver o problema dela com o Vitor. – mentiu Heitor.

– E você vai se afastar dessa garota, né? – perguntou Marina.

Heitor pegou o celular e mostrou a tela com dezenas de mensagens não lidas na conversa dele com Talita.

– Isso te responde?

– Caramba! Ela te mandou 55 mensagens desde ontem? – disse Marina boquiaberta.

– E eu não vi nenhuma. Amanhã vou conversar com ela na faculdade e dar um basta. Estou dando um gelo para ver se ela se manca e vou ficar assim até a gente se falar.

– Boa, maninho! Só toma cuidado pois se esse cara aí, o pai dela, vier falar com o papai e com a mamãe, você estará ferrado.

Heitor sentiu a barriga gelar e disse:

– Nesse caso, minha irmã, eu estarei muito ferrado. Muito mais ferrado do que nós dois imaginamos.

– Mas, isso não vai acontecer. Aliás, na minha turma tem uma menina que viu a gente conversando e perguntou de você. Se quiser, te apresento.

– Olha, depois disso tudo, eu vou optar por ficar quieto no meu canto, estudando... Depois eu penso nisso.

– Pois eu vou te contar um negócio. Conheci um menino da turma de Educação Física, o nome dele é Daniel e ele é um gatinho. Estamos trocando mensagens nas redes sociais e mais tarde ele disse que vai jogar no Ibirapuera com os amigos dele e me convidou. Não sei se vou. – disse ela mexendo no celular.

– Eu acho que você deve ir, Marina.

– É esse aqui.

Ela mostrou a foto de um rapaz moreno em uma quadra vazia. Ele tinha cabelo raspado bem rente ao couro cabeludo, olhos castanhos, bastante forte e sorridente e vestia um uniforme de jogador de basquete, segurando uma bola característica do esporte.

– Ele é fortão assim, mas só parece que é bravo. É super fofo e simpático. – emendou ela.

– Se quiser, eu te dou cobertura com o papai e a mamãe.

– Não precisa. Se eu for, digo que vou ao encontro de um amigo e você não precisa mentir. Aí quem fica devendo é você, pois vou guardar segredo sobre essa ligação que você recebeu. Vamos voltar?

Os dois começaram a caminhar de volta para casa e Heitor ficou pensando na reação da irmã caso ela soubesse que a questão era muito mais grave do que ele contou. Por causa disso, decidiu focar totalmente nas aulas da faculdade. Mais tarde, quando a irmã saiu para o encontro, ele sentou na sala com o notebook e terminou de adaptar o trabalho que iria repassar para Caio. Então, fez uma videochamada para o colega de turma:

– E aí, Caio? Beleza?

– Fala, Heitor! Estou bem na medida do possível. Em casa, clima meio pesado ainda, mas vamos em frente.

– Só liguei para te falar que o trabalho está pronto. Tem até uma apresentação que eu nem lembrava que tinha montado. Já coloquei seu nome, mudei o logo da faculdade... Está quase pronta.

Ele começou a filmar a tela do computador, mostrou tudo o que tinha preparado e, após uns cinco minutos, Caio disse:

– Caramba, brother! O trabalho está no ponto! Se liga, amanhã você pode chegar mais cedo para me explicar umas coisas das fotos que você mandou com anotações das aulas? Fiquei sem entender algumas coisas.

– Poxa, claro que sim. A gente se encontra onde?

– Umas seis da tarde, pode ser? Na cantina da faculdade se não for te atrapalhar, é claro.

– Sem problemas, Caio. A gente se fala amanhã.

– Fechado! E obrigado pela ajuda com o trabalho.

Depois, Heitor foi para o quarto e ficou estudando. Ouviu a irmã chegar por volta de oito ou nove horas da noite e quando o relógio marcou a hora zero da segunda, ele fechou o computador e dormiu. No dia seguinte, Heitor chegou pontualmente às seis da tarde para o encontro e ficou esperando Caio em uma mesa enquanto lia um texto para uma das aulas que fazia no período da manhã. Atrasado, o outro apareceu pouco depois de seis e dez e disse, sentando de frente para o colega de turma:

– Poxa, desculpa. As coisas ainda estão complicadas na minha família. Meu irmão saiu para comprar um negócio para o meu pai e, como minha mãe foi trabalhar, eu fiquei em casa até ele voltar. – disse Caio em tom de justificativa.

– Sua avó era mãe do seu pai?

– Sim. Ele ficou bastante abalado, mas já está se conformando. Aos poucos as coisas devem entrar nos eixos. Minha mãe pediu que eu ou meu irmão sempre fique em casa, aí ele demorou um pouco e eu saí atrasado.

– Tudo bem, cara. – tranquilizou Heitor.

– Ah, deixa eu mostrar uma foto da minha avó para você ver quem ela era. – disse Caio pegando o celular e abrindo uma imagem – Aqui estamos eu, minha avó no meio e o Vitor é o cara de óculos na outra ponta. Esse é o meu irmão.

Heitor pegou o aparelho, virou a tela para si e viu, na foto, uma imagem sorridente do rapaz por quem tinha se encantado no dia do trote estudantil.

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