Flávio ficou sem reação ao ouvir a notícia e só conseguiu falar depois de alguns segundos alternando seu olhar entre Suellen e Heitor:
– Pai, eu...
– Meu filho – disse Adamastor, o pai de Flávio – Agora não é o momento certo de conversarmos. Se essa moça está grávida de você, primeiro temos que acolhê-la, ou melhor, vocês dois precisam conversar e terão bastante tempo para isso. Eu e sua mãe vamos precisar sair para buscar seu irmão.
Helena, esposa de Adamastor, aproveitou a deixa e disse:
– Seu amigo vai entender e com certeza volta em outra hora. – e, olhando para Heitor, emendou – Não é mesmo, meu filho? Eu e meu marido vamos descer e te acompanhar. Esses dois tem bastante coisa para conversar.
– Está tudo bem, cara. Eu vou nessa e depois a gente conversa. Fica tranquilo que acerto aquele negócio lá do churrasco da nossa turma. – disse Heitor dando um tapinha no ombro do outro.
– Se for dinheiro, me fala que eu transfiro para você, meu filho. – disse o pai de Flávio.
– Pode ficar tranquilo, seu Adamastor. Não é dinheiro não.
– Bem, vamos descer antes que nos atrasemos. – disse a esposa.
Os três deixaram Flávio e Suellen sozinhos e, quando a porta se fechou, ele disse:
– Como isso foi acontecer?
– Como a gente sabe, né? A questão é quando isso aconteceu.
– Você já contou para os seus pais?
– Ainda não falei nada, mas, com certeza ele vai exigir que a gente se case. Então, o ideal é você anunciar nosso noivado e eu lanço a bomba logo depois. E não esqueça de dizer que, apesar de não ser planejado, você está muito feliz por ter um filho comigo.
– Ai meu Deus! – disse ele se jogando no sofá.
Suellen era apenas mais uma das meninas da faculdade com quem Flávio saía e, apesar de esporádico, Heitor era seu único relacionamento com alguém do mesmo sexo. Mesmo assim, os dois não se consideravam homossexuais ou nem mesmo bissexuais. Quando tocavam no assunto, o agora futuro papai gostava de dizer:
– Não sinto desejo e nem interesse por nenhum outro cara que aparece, mas com você é tudo diferente.
Eles se conheceram no dia do trote e desde então formaram uma forte amizade. Saíam juntos, viajavam juntos, jogavam juntos e estudavam juntos. O primeiro beijo dessa dupla foi meio sem querer, em um sábado à tarde, durante uma festa estudantil de fim de semana no primeiro ano da faculdade, realizada em uma chácara afastada da zona urbana da cidade onde eles moravam, no interior do Paraná. Junto com um grupo de amigos e alguns desconhecidos, eles estavam sentados em círculo no meio do campo no meio da tarde com uma garrafa vazia no meio, no melhor estilo do famoso jogo "Verdade ou Consequência". Ao optar por não responder a uma pergunta, Flávio deveria beijar a pessoa que a garrafa indicasse e ela parou de girar apontando para o amigo.
– Ah, não vou beijar o Heitor!
– Beija! Beija! Beija! Beija! – diziam todos.
– Não! Ele não! O cara é meu brother.
O outro, bêbado e sentado em uma extremidade da roda, apenas ria e balançava a cabeça negativamente enquanto um dos integrantes dizia:
– Está todo mundo se pegando aqui, cara! Sem crise. Minha mina estava beijando uma garota que ela conheceu dançando e está tudo certo.
– Beijar é bom! – disse a namorada do rapaz, também visivelmente alterada pelo álcool.
– Beija! Beija! Beija! Beija! – repetia em coro todos os membros da roda enquanto batiam palmas, atraindo a atenção das pessoas que passavam ao redor e alguns deles, inclusive, começaram a bater palma e a incentivar que a então temida consequência fosse devidamente paga.
– Tá bom! Eu beijo, mas vou dar só um selinho.
– Eu não quero te beijar, cara! – disse o outro caindo na risada logo depois.
– Aí, o cara não quer... – tentou se justificar Flávio.
– Não tem essa de querer. – voltou a dizer o integrante do grupo que liderava a aplicação da penalidade – Se não quis responder, tem que beijar. E não vem com selinho, não. Tem que ser beijão.
– Beijão de língua! – disse novamente a namorada o rapaz.
– Beijão de língua! Beijão de língua! Beijão de língua! – voltou a repetir, em coro e batendo palma, todos que observavam a cena.
Sentindo que tinha perdido a batalha, se aproximou do amigo, o levantou e disse:
– Quebra essa para mim. Depois eu faço o que você quiser. Eu juro! – disse ele olhando fundo nos olhos de Heitor.
Como o outro não demonstrava ter qualquer barreira, parte pelo álcool e parte pela amizade, ele se aproximou e a dupla se beijou por alguns segundos. Todo mundo em volta urrou e aplaudiu a cena. Eles então se afastaram e o amigo bêbado disse rindo:
– Agora você me deve essa. Não vou esquecer!
Mais tarde, quando o sol começou a cair, Heitor se afastou do grupo e Flávio o seguiu.
– Onde você vai, cara? Você bebeu pra caralho a tarde toda.
– Eu já estou bem. Não totalmente sóbrio, mas estou bem. Olha, – disse ele correndo alguns poucos metros – você diria que essa corridinha é de alguém bêbado? Só quero andar um pouco.
Os dois se afastaram até perto de umas árvores que enfeitavam o local, pouco antes de um imóvel médio fechado que, certamente, guardava ferramentas e outros elementos usados na manutenção do espaço. Heitor caminhou até uma parede lateral do imóvel, olhou por uma janela e disse:
– Pensei que era a casa do caseiro.
– Se fosse, o cara ia estar puto com a barulheira que estamos fazendo. – completou o amigo – Agora, vamos voltar. Vai que tem algum bicho aqui, uma cobra ou escorpião, sei lá...
O outro ficou em silêncio e disse:
– É verdade o que você disse?
– O que? Sobre fazer o que você quisesse quando a gente estava brincando? É verdade sim, cara.
Ele ficou em silêncio e disse:
– Então, me beija de novo, Flávio?
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Coisas da Vida
RomantizmHeitor é um jovem universitário com uma vida aparentemente perfeita, mas seu coração guarda um amor improvável. De repente, o pai anuncia que a família está de mudança para São Paulo e ele vê sua vida mudar radicalmente. Na nova cidade, ele precisa...