Os últimos instantes de uma vida

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Bruna novamente se aproximou de Heitor e disse:

– Heitor, vem comigo pois vou comprar umas cervejas ali no mercado.

Ele saiu de uma espécie de transe e seguiu com Bruna. No caminho, não conseguia esquecer a visão de pouco tempo antes. Ele não sabia o nome, mas, dentro de si, torcia para descobrir em breve. Não conseguia esquecer aquele corpo esguio claro, o cabelo preto penteado, os óculos redondos, o discreto cavanhaque e, por algum motivo, o gesticular nervoso, demonstrando ansiedade. Queria voltar logo para junto dos outros colegas de sala e reencontrar aquele que fez sua mente parar por alguns segundos.

– Pega umas quatro garrafas de água. – disse Larissa interrompendo os pensamentos do seu colega.

Após passarem pelo caixa, eles voltaram para perto do grupo e a primeira ação do novo membro da turma foi procurar o rapaz que havia visto antes, mas não encontrou. Pensou em perguntar para Larissa quem era o tal jovem, mas não encontrou nenhum motivo para justificar o questionamento. Então, abriu uma cerveja e pouco depois os alunos chegaram para o trote, acompanhados por Talita.

– Vamos começar, galera! O Caio não vai conseguir participar, então é com a gente! – disse Marcelo em voz alta, liderando a atividade.

***

Caio estava esperando os alunos do primeiro ano na porta da sala quando seu irmão, Vitor, que minutos antes foi o motivo do encanto de Heitor, se aproximou e disse:

– Mano, eu vim te buscar. A mamãe ligou e disse que a vovó não passou bem e foi internada. Ela e o papai estão lá e só falta a gente. Eu estou com o carro da mamãe.

Caio repassou para Talita a responsabilidade de levar os alunos novatos. Vitor e Talita se entreolharam, sorriram, e, pouco depois, os dois irmãos saíram do prédio e entraram no carro.

– Ela se sentiu mal, falta de ar, chamou um vizinho e aí a ambulância veio. – disse Vitor fechando a porta – Os médicos estão avaliando e vão falar com a gente, mas o papai quer que toda a nossa família esteja lá.

– Eu estou muito preocupado com isso, cara. O papai vai ficar muito arrasado.

– Ele nem conseguiu falar comigo. Quem ligou foi a mamãe. Eu estava a caminho da faculdade, ia participar do trote e...

– E dar uns amassos na Talita. – interrompeu o irmão.

– Ah, isso também, se ela quisesse, é claro. Não tenha dúvida! Ela está de mal comigo. A gente discutiu ontem por causa de um filme e ainda não voltamos a conversar. Ia tentar me reaproximar hoje.

– Eu acho que vocês dois combinam, sabia? Mas, sinceramente, às vezes acho ela meio chatinha e... Bom... Mas se você está feliz, vai fundo em todos os sentidos.

– E você com a Bruna? – provocou o outro como forma de desconversar.

– Só foi aquela vez. – respondeu Caio logo na sequência.

– Aquelas vezes, você quer dizer.

– Duas semaninhas, pô. Também não é motivo para tanto... – disse ele, como se justificasse.

– Ah, mas não foi só uma vez. Foram algumas vezes, na verdade. E ela vive te dando mole, já percebeu?

– Ah, eu sei, mas é difícil... Eu acho ela uma menina legal, mas não quero dar falsa esperança de algo mais sério. Fora que ela sempre aparece ficando com um cara diferente e eu também quero alguma liberdade. Mas, você e a Talita estão caminhando... Acho que vai dar alguma coisa.

– Não sei, não sei. Prefiro não esperar muita coisa, não criar expectativas e levar as coisas sem passar por cima de nada. Eu e Talita temos alguns gostos e pensamentos muito diferentes. O jeito é ir com calma.

Caio percebeu que a situação do relacionamento não era tão boa e ficou em silêncio. Cerca de 30 minutos depois, os dois chegaram ao hospital e foram direto para o local onde os pais estavam. Eles encontraram a mãe sentada em um sofá de uma sala de espera e a abraçaram:

– Ah, que bom que vocês chegaram! O Gilberto está tão aflito e tenho certeza que o carinho de vocês vai ajudá-lo a acalmar.

– E onde o papai está? – perguntou Vitor.

– Ele foi comer alguma coisa na lanchonete aqui em frente.

– Eu vou lá. Fica aqui com a mamãe, Caio.

– Traz um pão de queijo para mim quando voltar. – pediu o irmão.

Vitor chegou na lanchonete e localizou o pai sentado em uma mesa, com uma xícara de café e um prato, que antes tinha um pão de queijo e agora servia de depósito para um guardanapo amassado. Ele estava com o olhar perdido em direção a um relógio com inspiração retrô que ornamentava a parede do local, seguindo a tendência de decoração do lugar.

– Oi, pai! Eu busquei o Caio na faculdade e a gente acabou de chegar. Ele está lá em cima com a mamãe.

– Ah, Vitor! Sabe que... Eu estava olhando para o relógio ali na parede e pensando quanto tempo ainda temos, a gente e sua avó. Tudo que temos hoje foi por iniciativa dela. Quando seu avô morreu, ela segurou a onda, foi forte, assumiu os negócios mesmo sem conhecer muito e hoje somos o que somos.

– A vovó vai ter o tempo suficiente para viver ao máximo todo esse carinho que a gente tem por ela, pai. Eu tenho certeza disso.

– Eu não sei, meu filho. O câncer dela avançou muito, está espalhado pelo corpo e...

– Ela sempre foi muito amada e respeitada, pai.

– Disso eu sei, meu filho. Disso eu sei. Eu só queria que ela não sofresse. Dói demais vê-la nesse estado...

– Vovó sempre foi uma mulher forte. Ajudou a cuidar da gente sempre que você e a mamãe não conseguiam estar presentes, ia nas reuniões da escola, buscava quando a gente passava mal no meio da aula...

Gilberto deu um último gole no café, foi até o balcão e pediu um pão de queijo que levaria para a mulher, Sônia, e Vitor disse:

– Pai, o Caio quer um pão de queijo também.

Gilberto complementou o pedido e, quando estava no caixa, pegou uma barrinha de chocolate que depois entregou para o filho enquanto dizia:

– Isso é para você. Do mesmo jeito que eu fazia quando você era criança.

Vitor sorriu e abraçou o pai. Os dois voltaram para o hospital e quando estavam chegando perto de Sônia e Caio, uma enfermeira se aproximou e disse:

– Boa noite, tudo bem? Meu nome é Telma e sou a Enfermeira Líder do período noturno. O Doutor Paulo, responsável pelo caso da paciente Rosária, quer falar com vocês. Podem me acompanhar, por favor.

Gilberto guardou o pacote que embalava os pães de queijo na bolsa de Sônia e os quatro seguiram até uma sala reservada, bem iluminada e com pouca decoração. A enfermeira orientou que eles se sentassem nas poltronas disponíveis enquanto aguardavam a chegada do Doutor Paulo. Logo depois, Sônia e Caio deram um abraço para confortar Gilberto, visivelmente abalado com aquela situação. Cerca de cinco minutos depois, o médico entrou na sala.

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