O que acontece em Vegas nem sempre fica em Vegas

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Flávio se afastou de Heitor e disse:

– Você está louco, cara? Nada contra você ser viado, tá ligado? Mas, eu te beijei apenas porque eu precisava cumprir aquela bosta de desafio.

– Desculpa, brother. Acho que ainda estou meio bêbado. Vamos voltar para a festa e não tocamos mais nesse assunto. O que acontece no rolê, fica no rolê. Combinado?

Os dois apertaram as mãos e não tocaram mais no assunto daquele dia em diante. Na sexta-feira seguinte, após o fim da aula, uma forte chuva caía e Flávio encontrou Heitor na saída do prédio, esperando o pai vir buscá-lo. O amigo, para não deixá-lo sozinho, se prontificou a fazer companhia, mas, por volta de onze e meia, Heitor, visivelmente irritado, ligou para para reclamar do atraso e então o pai respondeu:

– Meu filho, não vou conseguir chegar. A chuva alagou a rua principal e não dá para seguir. Estou parado. Chama um táxi ou um carro de aplicativo e depois te dou o dinheiro.

Heitor desligou o telefone reclamando e rapidamente o amigo se prontificou a ajudar.

– Eu te levo, cara. Aproveito que estou te devendo uma e não vou cobrar por essa carona. – disse ele dando uma piscadela e sorrindo.

– Eu pensei que nosso combinado era "o que acontece no rolê, fica no rolê". – disse o amigo.

– Mas, algumas coisas do rolê a gente pode levar para a vida se a gente quiser. – disse Flávio dando um sorriso de canto de boca e caminhando em direção ao estacionamento, que ficava na parte de trás do prédio da universidade.

Ao longo do caminho, conversaram sobre a aula e colocaram algumas histórias da sala em dia. Quando chegaram perto do prédio onde Heitor morava, Flávio estacionou e o amigo disse:

– Ah, cara! Para o carro um pouco mais perto da entrada do prédio. Se eu descer aqui, vou me molhar.

– Ah, está com medo de umas gotinhas de chuva?

– Vai tomar no cu, babaca!

Heitor saiu do carro e correu até a portaria do prédio e o outro, percebendo a irritação do amigo, tentou chamá-lo de volta, mas sem sucesso.

No dia seguinte, Flávio estava na sala vendo TV, mandou diversas mensagens para Heitor e não obteve resposta. Por fim, gravou um áudio pedindo desculpas pelo que fizera, mas a mensagem apenas foi visualizada e ficou sem resposta. Ele, então, ligou para a casa de do outro no meio da tarde e uma voz conhecida o atendeu:

– Oi, Dona Rosana! Tudo bem com a senhora? O Heitor está aí?

– Está no quarto, estudando.

– Eu preciso muito falar com ele.

– Ah, melhor vocês conversarem depois. Ele chegou irritado ontem pois o celular molhou com a chuva. Fiquei sabendo de uma certa brincadeira que você fez e não deu muito certo...

– É... Eu queria pedir desculpas. O celular estragou?

– Não, só molhou a capa e a tela. Uma flanela seca resolveu o problema rapidamente. Mas, você sabe como ele é estressadinho e fica irritado quando as coisas não saem como queria.

– Tá... Eu vou mandar mais uma mensagem e mais tarde eu ligo novamente.

– Se eu conheço meu filho, ele não vai atender. Eu, o Nelson e a Marina estamos de saída pois vamos ao shopping comprar algumas roupas e depois vamos ver um filme. Liga depois das oito da noite que dou um jeito de vocês se falarem.

– Obrigado! Vou fazer como a senhora disse, então..

Flávio ficou pensando no que Rosana disse ao telefone, foi para o quarto, trocou de roupa, foi até a cozinha e avisou a mãe que estava de saída. Meia hora depois, parou o carro em uma vaga em frente ao prédio e, como já era conhecido do porteiro por frequentar o local e ter o acesso liberado por Heitor, conseguiu entrar sem ser anunciado. Subiu até o apartamento, tocou a campainha e ninguém atendeu. Esperou alguns segundos e então apertou o botão novamente e mais uma vez ninguém atendeu. Quando ia tocar pela terceira vez, ouviu o barulho da fechadura e logo depois a voz irritada e sonolenta do outro:

– Ah, Flávio, caralho! Eu estava dormindo! – esbravejou.

– Sua mãe falou que você estava estudando e então vim aqui.

– Tô puto com você ainda, cara. Meu celular quase estragou por causa da chuva que você me fez tomar ontem.

– Para de exagerar. Sua mãe me falou que só molhou a capinha e a tela.

– Ah, cala a boca! O celular que molhou foi o meu e eu sei como estava. Agora vaza que eu quero continuar dormindo.

– Nossa, que mau humor do caralho. Eu só vim aqui para falar duas coisas. Me ouve, depois vou embora e você pode voltar a dormir.

– Tá, o que você quer falar? – perguntou Heitor.

– A primeira é que eu quero pedir desculpas pela brincadeira que fiz ontem. Mandei mensagem o dia todo, você visualizou e não respondeu nenhuma. Sei que pisei na bola, fui idiota demais e por isso vim aqui para conversar. Sua mãe disse que você estava estudando, mas se eu soubesse que estava dormindo, nem teria aparecido. Foi mal, de verdade...

– Tá, beleza! E qual a segunda coisa? Vai logo pois quero dormir. – disse Heitor em tom de poucos amigos.

– A segunda coisa é que... – disse Flávio hesitando um pouco.

– Tá, o que é a segunda coisa?

– A segunda coisa é que... Eu... Eu... – ele respirou fundo e então disse de uma só vez, sem titubear – Eu queria saber se você ainda quer o beijo que você pediu quando a gente estava na festa do final de semana passado.

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