Talita, olhando para o pai, disse:
– Todo mundo aqui do condomínio faz isso. E eu...
– Espera, Talita! Daqui a pouco a gente fala. – e se voltado para Heitor – Meu filho, é... Vá para o seu apartamento pois essa conversa é entre eu e minha filha... Depois eu converso com os seus pais e...
– Ele não mora aqui. – interrompeu ela – Eu vou levá-lo na portaria e depois subo.
Talita acompanhou Heitor até a entrada e ele chamou um carro por aplicativo.
– Desculpe não poder te levar.
– Eu falei que a gente deveria ter ido para um motel.
– Meu pai é careta. Todo mundo aqui no prédio faz isso, um monte de gente sabe e quando eu decido fazer, a segurança faz esse drama. Não faz sentido, sabe?
– Sobe lá antes que a coisa piore para o seu lado.
– Só não comenta com ninguém da nossa sala e nem da faculdade sobre o que aconteceu hoje.
Talita deu um abraço em Heitor e se afastou. Pouco depois, o carro chegou e ele seguiu rumo à sua casa enquanto respondia às mensagens do pai, tranquilizando-o. No caminho, o motorista passou pela Avenida Paulista e ele começou a observar as luzes da cidade e a beleza daqueles prédios durante a noite.
Se na cidade do interior paranaense, onde ele morava anteriormente, a noite era responsável por ocultar segredos e acentuar mistérios, em São Paulo isso não existia. Muito pelo contrário. Ali, a noite tinha luz suficiente para iluminar tudo aquilo que alguém quisesse, por qualquer motivo, esconder e, ao mesmo tempo, para tornar ainda mais evidente aquilo que ninguém tinha medo ou vergonha de mostrar.
Ele viu homens andando de mãos dadas livremente com seus amores, trocando beijos e afetos; mulheres exibindo seus amores também femininos, com carícias mútuas e demonstrações de carinho sem qualquer repressão. Mesmo sabendo dessa realidade, ficou encantado com a liberdade que pulsava em São Paulo e, no íntimo, pensou que isso jamais chegaria à sua cidade natal.
Abriu o vidro do carro, sentiu o vento batendo em seu rosto e começou a respirar o ar que vinha do lado de fora. Aquela sensação incrível de liberdade, de ter se livrado de amarras e hipocrisias interioranas, de ver e sentir a felicidade sem medo. Então, ele se lembrou de Flávio e da vida dupla proposta em uma das últimas conversas entre eles antes da mudança e pensou no quanto aquilo seria injusto com Suellen e a futura criança daquele casal.
"Acho que... Não seria legal nem mesmo para mim e nem para a Natalie ou alguma outra menina com quem eu ficasse. Aliás, já não era muito honesto da minha parte", pensou.
Logo depois, lembrou de Talita e do problema que ambos teriam se o assunto chegasse na faculdade. Prometeu para si que não comentaria com ninguém sobre o flagra na sauna, nem mesmo com a irmã. Deixou o pensamento vagando livremente por mais um tempo e então lembrou do jovem que vira no dia do trote estudantil e cujo nome até então desconhecia.
Ele conhecia aquela sensação, mas não queria aceitar. De certa forma, ele cedeu à tentação da colega de turma como forma de negar aquele pequeno incômodo ou até mesmo sufocar uma pequena vontade que começava lhe tomar por dentro. Racionalmente, ele queria negar aquele desejo que misturava os sentimentos que ainda nutria por Natalie com os desejos que Flávio despertava nele e acreditava, como tantos outros, que agindo da forma como estava agindo, conseguiria vencer o que seu coração sentia.
– Senhor, chegamos! – disse o motorista interrompendo os pensamentos de Heitor.
– Ah, obrigado! – respondeu ele como que saindo de um transe.
Ele desceu do carro e subiu até o apartamento. Encontrou o pai na sala o esperando, sentado em uma poltrona.
– Isso são horas, meu filho?
– Desculpa, pai. Eu fui na casa de uma colega da minha sala para acertar um negócio de um trabalho, a gente ficou conversando e quando percebi já era tarde. Ela queria me trazer, mas decidi pegar um carro.
– E porque você respondeu às minhas mensagens somente há alguns minutos atrás?
– É que o papo estava bom, ela fazendo perguntas sobre a cidade onde a gente morava e eu me distraí.
Nelson se levantou, caminhou até o filho e disse:
– Heitor, eu só não quero que minta para mim. Eu já tive a sua idade e sei como as coisas funcionam e acontecem. Não vou dizer que está tudo bem, mas não faça mais isso, não minta e tome cuidado para... Você sabe e tem o exemplo do seu amigo lá do Paraná. Lembre-se sempre que cuidar de uma criança não é fácil. Além disso, sua irmã foi até o metrô com as amigas, mas ela poderia ter ficado sozinha. Na próxima, pelo menos acompanhe ela e avise a sua família, eu ou sua mãe.
– Tá bem, pai.
– Estamos em uma cidade maior e mais perigosa, meu filho... Precisamos que vocês se protejam, nós precisamos nos proteger pois somos uma família. Está entendido? – disse ele.
– Está sim, pai. A Marina já foi dormir? Queria pedir desculpas para ela.
– Ela foi dormir assim que chegou. Amanhã vocês conversam, mas ela está tranquila. Durma em paz.
– Obrigado, Pai!
Heitor e Nelson se abraçaram e depois o filho foi para o quarto, trocou de roupa rapidamente e deitou logo depois. Ficou algum tempo olhando para o teto do cômodo, com dificuldade para dormir. A sua mente voltou no dia do trote estudantil e na visão que tivera. Ele então se levantou, olhou para si mesmo no reflexo do espelho da porta do guarda-roupa e disse:
– Essa é só mais uma aventura passageira, assim como era com o Flávio e eu cedi por ser fraco. Eu não sei quem é aquele cara, mas não vou ceder novamente a esse desejo outra vez. Aquela foi a única e última vez.
Ele ficou se olhando mais algum tempo, e depois, ele se deitou novamente, fechou os olhos e esperou o sono chegar.
No dia seguinte, encontrou a irmã tomando café na cozinha assim que saiu do quarto, usando samba canção e regata.
– Aeee, maninho! Foi bom o estudo de ontem? Anatomia? Reprodução humana?
– Você e sua falta de sutileza, Marina.
– E você e essa dificuldade para arrumar uma boa desculpa. Só uma pessoa com três neurônios para acreditar que você e sua amiguinha iriam estudar numa sexta-feira à noite após a aula.
– Tá, foi péssima a ideia. Mas, eu queria te pedir desculpas por ter te deixado ir sozinha até o metrô. Eu prometi que a gente iria andar junto e na primeira sexta-feira de aula o que eu faço? Deixo você e vou atrás de uma peguete.
– Da minha parte está tudo bem. Pode ficar tranquilo. O papai ficou muito bravo?
– Ele deu um sermãozinho leve, mas está tudo bem. Aliás, cadê eles?
– Os dois decidiram caminhar no Ibirapuera e estavam de saída quando eu acordei. Eles disseram para a gente se organizar, guardar as coisas e lavar a louça do café, mas como você me deixou sozinha ontem, acho que fazer a minha parte é uma boa forma de me pagar. O que acha?
Heitor olhou para a irmã e disse:
– Você não vale nada, Marina. Tá, deixa as coisas que eu arrumo tudo.
Mais tarde, assim que terminou de ajeitar a cozinha após o café da manhã, foi até o quarto, deitou novamente e mandou uma mensagem para Caio dizendo que iria começar a adaptar o trabalho da faculdade e que enviaria o arquivo no e-mail dele.
"Tem também umas anotações que fiz nas outras aulas e depois mando foto para você. Espero que esteja tudo bem com você, cara! Abraço e pode me chamar se precisar", completou.
Logo depois, recebeu uma mensagem de Bruna. Queria deixar para ler depois, mas o texto da pré-visualização o deixou surpreso. Ele abriu a mensagem completa e leu para si mesmo:
"Depois do estacionamento, a Talita também te levou para a sauna do condomínio dela?"
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Coisas da Vida
RomanceHeitor é um jovem universitário com uma vida aparentemente perfeita, mas seu coração guarda um amor improvável. De repente, o pai anuncia que a família está de mudança para São Paulo e ele vê sua vida mudar radicalmente. Na nova cidade, ele precisa...