Enquanto isso, no trote estudantil

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Sônia apertou as mãos de Rosária e disse:

– Logo os meninos estarão aqui. Eles foram até a nossa casa pegar algumas coisas que vamos precisar e daqui a pouco voltarão.

Rosária ficou em silêncio por algum tempo olhando para o teto do quarto enquanto Gilberto olhava docemente e ficava ao seu lado, como um cão de guarda. Por fim, ela adormeceu e sua esposa se aproximou dizendo:

– Eu mandei um áudio para os meninos e disse para eles se apressarem. Também enviei uma mensagem para a minha irmã e ela já está a caminho.

Pouco menos de duas horas depois, Vitor e Caio estavam de volta ao hospital e foram para o quarto. Encontraram a avó dormindo enquanto os pais observavam um pedacinho da noite paulistana pela janela do quarto.

– Nós trouxemos duas malas pequenas com as coisas de vocês. Pegamos tudo o que a mamãe indicou, trouxemos dois carregadores e os dois notebooks também. – disse o primeiro.

– Ah, que bom, meu filho. Eu acabei esquecendo de pedir os computadores, mas ainda bem que pensaram nisso. A avó de vocês pediu para falar com os dois, mas acredito que agora não seja um bom momento. Mas, fiquem por aqui, pois assim que ela acordar acho melhor estarem por perto. Eu e o Gilberto vamos comer alguma coisa, pois estou faminta. Comi só os dois pães de queijo que seu pai comprou. Qualquer coisa, nos ligue com urgência.

Os pais saíram do quarto e Caio se aproximou da avó, que dormia serenamente. Apenas o barulho dos equipamentos de monitoramento quebravam o silêncio que imperava no quarto. O irmão se aproximou logo depois e o mais velho disse:

– Ah, Dona Rosária...

Vitor, que se mantinha forte até então, ficou muito emocionado com a cena e se afastou em direção à janela, observando um pedaço da cidade em silêncio enquanto rezava silenciosamente pela avó.

***

O trote estudantil acontecia animadamente e Talita, uma das responsáveis, disse para Marcelo:

– A galera desse ano está animada. Já temos grana para um churrasco bem legal se alguém da sala emprestar o espaço, mas duvido que alguém se arrisque. Sempre tem alguma pessoa que apronta e dá merda. Lembra do último, quando a Bruna pegou três caras ao mesmo tempo, eles beberam e começaram a brigar quando descobriram?

– Vamos precisar de mais grana para alugar o espaço. – disse ele – Aliás, você falou da Bruna e ela está dando em cima do novato. Você viu? Ah, o Caio disse que vai sair do grupo da sala pois está com uns problemas com a avó dele. O Vitor te falou alguma coisa?

– Eu e ele não nos falamos hoje... – ela fez uma pequena pausa e continuou – Brigamos ontem, na verdade. Quando a gente sai, ele sempre quer fazer as coisas que ele gosta. Aí fomos no cinema, ele queria ver um filme de herói e eu não suporto isso, acho idiota. Aí já estava de saco cheio dele sempre reclamar das coisas que eu gosto e acabamos discutindo e meio que demos um tempinho.

Marcelo deu uma risadinha pois sabia que aquela era uma situação normal entre os dois e então mudou de assunto:

– Vou mandar mensagem para o Caio e ver o que está acontecendo.

Talita olhou para Bruna e Heitor, que conversavam não muito distante dali, e se aproximou. Ela não tinha prestado muita atenção no novato até então, mas passou a percebê-lo melhor a partir daquele momento. Ele, por sua vez, estava cansado do papo de Bruna, mas seguia interagindo com ela e já pensava em chamá-la em um canto para beijá-la como forma de encerrar aquela situação enfadonha, pois já tinha percebido as intenções dela.

Bruna era uma jovem atraente, olhos azuis, pele clara sempre com maquiagem leve, e cabelos negros cortados na altura dos ombros. Seu corpo tinha poucas curvas, mas era de uma elegância particular e muito chamativa. Na adolescência, teve uma breve carreira de modelo, mas desistiu após alguns poucos trabalhos realizados para focar nas provas que faria para entrar em uma faculdade.

Talita, assim como ela, também tentou outra carreira: queria ser atriz. Entre o final da infância e o fim da adolescência, chegou a fazer parte de um grupo de teatro da cidade, mas não levou a carreira à frente por falta de incentivo dos pais. Se sua estatura média, somada à sua pele morena quase clara, chamava pouca atenção. Por outro lado, seu corpo bem desenhado, ornamentado por cabelos castanhos longos, se destacava assim como sua boca, sempre com um batom que oscilava entre o discreto e o ligeiramente chamativo. Mas, o que mais atraía olhares eram os olhos castanhos extremamente expressivos, que falavam mais do que seus gestos e palavras.

E foi esse olhar que ela cravou em Heitor e decidiu se aproximar e ordenar.

– Bruna, preciso do cara novo aqui comigo para ajudar a cuidar da grana e organizar umas coisas. Veja se outra pessoa da sala consegue te ajudar nas bebidas.

Ele obedeceu, seguiu Talita segurando uma cerveja e dizendo:

– Oi, eu sou o Heitor e você deve ser a Talita. O Caio falou de você para mim mais cedo. Aliás, cadê ele?

– O Caio teve uns problemas na família e precisou ir embora.

Heitor queria aproveitar o momento e perguntar quem era o cara que havia visto pouco antes de buscar cervejas com Bruna, mas achou que não seria uma boa oportunidade de desviar o rumo da conversa.

– Nós vamos fazer o quê com o dinheiro de hoje? – perguntou ele após beber um gole de cerveja.

– Provavelmente vamos organizar um churrasco, mas não sabemos ainda onde vai acontecer. Pensamos em pedir o espaço para alguém da nossa turma, mas sempre dá problema. Então, é bem provável que a gente alugue um lugar.

Por um segundo, Heitor lembrou dos churrascos com os seus colegas de turma do Paraná e, automaticamente, veio à sua mente a cena de Flávio fingindo estar bêbado apenas para levá-lo para casa e assim os dois ficarem a sós. Percebendo o outro quieto, Talita disse:

– Está tudo bem? Você ficou mudo.

– Nada, só lembrei da minha turma antiga e das festas que a gente fazia.

– Ah, então vamos te chamar para ajudar a dar ideias. Aliás, vamos comigo até meu carro levar a grana que arrecadamos até agora?

Heitor concordou animado e ela se aproximou de Marcelo dizendo que iria guardar o dinheiro em seu veículo. No caminho, ele contou um pouco sobre as festas que sua turma da antiga faculdade organizava e quando chegaram no local onde o carro de Talita estava, em um canto mais distante e não muito iluminado de um estacionamento, ela guardou as notas e pediu um pouco de cerveja para o novo colega de turma. Ele entregou a latinha, ela deu um longo gole e perguntou olhando para ele:

– Você namorava alguém no Paraná?

– Ah, eu tinha uma ficante séria, mas não chegava a ser namoro, apesar da gente se respeitar bastante e termos, digamos, exclusividade. O Caio falou que você o irmão dele também ficam e...

– Ah, eu e Vitor estamos em momentos diferentes. Às vezes sinto que ele quer algo mais sério, mas eu estou querendo viver algumas experiências antes de optar por alguém.

Heitor, pegando a latinha de volta e dando um sorriso de canto de boca, perguntou:

– Que tipo de experiência você está falando?

Talita se aproximou de Heitor e deu-lhe um longo beijo.

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