O livro das flores

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Na terça-feira à noite, o silêncio na turma de Caio era enorme. Todos já sabiam da morte da avó do colega e, respeitosamente, direcionaram os melhores pensamentos para ele. Os professores começaram a passar cronogramas de aulas e matérias e Heitor, bastante sensibilizado pelo luto do seu único colega na turma até o momento, pegou o número de seu telefone com Marcelo e mandou uma mensagem:

"Oi, aqui é o Heitor. Fiquei sabendo sobre a morte da sua avó e, apesar da gente mal se conhecer, fico à disposição para o que você precisar".

No final da aula, logo após o intervalo, um dos professores pediu um trabalho em dupla relacionado a um livro que Heitor já tinha lido para outra disciplina da antiga faculdade. O grupo de amigos dele começou a se dividir e ele sugeriu:

– Galera, eu já li esse livro e fiz um trabalho bem parecido. Acho que posso ajudar o Caio e fazer dupla com ele nessa.

– Quem vai se dar bem é o Caio, pegando um trabalho quase pronto. – disse Marcelo – Mas, ok. O cara está numa fase ruim.

Longe dali, e com a cabeça apenas voltada para o funeral de Rosária, enquanto olhava o caixão com o corpo da avó no meio da sala onde acontecia o velório, Caio visualizou a mensagem e não respondeu. Mais tarde, ele recebeu outra de Marcelo comentando sobre o trabalho que faria com o novo aluno e também não respondeu. Por fim, guardou novamente o aparelho no bolso, se aproximou de Vitor, que estava perto da porta e disse:

– E aí, como você está?

– Eu estou bem. Acho que todos, de certa forma, estamos conformados. Foi melhor assim e sabíamos o quanto ela estava sofrendo.

– Meninos, tudo bem? – disse Daniela se aproximando dos dois.

– Oi, tia. – respondeu Caio.

– A Sônia está cuidando do Gilberto. Ela pediu para eu ficar por aqui, mas pelo visto está tudo certo com vocês.

– A gente está aqui, conversando sobre a vovó. – disse Vitor.

– Temos ainda algumas horas pela frente. – comentou Daniela.

– Alguns parentes do interior vão chegar daqui a pouco.

– Meu marido e meus filhos virão amanhã cedo e vão ficar até a hora do enterro. Está marcado para às 14h, certo?

– Isso! Papai pediu que fosse nessa hora para dar tempo dos parentes que moram mais longe chegarem.

Pouco depois, um grupo de pessoas entrou na sala e Caio foi recebê-los. Na sequência, eles se juntaram a Gilberto e Vitor olhava de longe, quando o irmão se aproximou.

– Está bem difícil ver o papai nessa situação.

Nesse momento, o celular de Caio começou a vibrar sem parar, ele olhou o aparelho e depois guardou-o no bolso novamente.

– Muitas meninas querendo te consolar? – provocou o mais novo.

– Não. Só o grupo dos caras comentando sobre um trabalho que o novato vai me ajudar a fazer. O cara tem o negócio pronto e eles estão falando que me dei bem. E você? A Talita mandou alguma mensagem?

– Nada. Nem um "sinto muito" ou algo assim... Ok que a gente brigou e demos um tempo, mas poxa... Acho que poderia ser diferente.

– Olha, Vitor. Eu entendo você, meu irmão. Eu poderia falar um monte de coisa, mas dá uma chance para ela. Converse antes de pensar em qualquer coisa, é o melhor a se fazer.

– Sei lá, Caio... Às vezes acho que ela exagera em coisas sem importância.

– Conversa, meu irmão. Conversa... Eu ando percebendo que as coisas estão meio estranhas entre vocês e só posso te dizer o seguinte: se perceber que não dá muito certo, sai fora enquanto é tempo. Eu digo e repito: acho que vocês dois combinam, mas quem tem que afirmar isso é quem está dentro do relacionamento. Mas, lembre-se sempre do que vovó dizia: "se começa batendo cabeça, é preciso muito cuidado para fazer dar certo. Mas, se mesmo assim a coisa não anda, precisamos pensar se estamos onde deveríamos estar".

Vitor pensou um pouco e disse:

– Eu vou chamá-la para conversar essa semana ou na outra. Estou sem cabeça agora e quero ficar os próximos dias ao lado do papai.

– Eu também vou deixar a faculdade de lado por esses dias. Depois eu peço para o cara novo me ajudar, já que ele vai ser meu parceiro no trabalho que o professor pediu. Ah, vou ali fora dar uma volta e responder umas mensagens. Quer ir comigo? A gente aproveita e come alguma coisa. – disse o irmão.

– Eu vou ficar por aqui. Traz um suco para mim, se você lembrar.

As horas seguintes foram bastante difíceis para a família enlutada e, quando o caixão de Rosária foi fechado, Vitor, Caio e a mulher de Gilberto estavam abraçados a ele. Cerca de 30 minutos depois, o caixão com o corpo foi colocado na cova e o primeiro sentiu uma vontade muito grande de chorar, mas se manteve firme. A mãe, percebendo, o abraçou e disse:

– Está tudo bem, filho. Está tudo bem mesmo.

– Agora não, mãe. Prefiro dar apoio para o meu pai.

Ele então jogou a última rosa sobre o caixão e disse para si mesmo:

– Tchau, vó! E obrigado por todos os conselhos.

Logo depois, os coveiros começaram a tapar a cova. Gilberto observava cada pá de terra jogada e sentia que eles levavam embora um pedaço importante da sua vida e da sua história. Lembrou, então de uma fala da sua mãe sempre que conversavam sobre a família:

"Você sempre terá meus netos e sua esposa, meu filho. Mesmo que a vida distancie os meninos de você, e isso é natural pois um dia eles vão querer seguir a vida deles, tenho certeza que nenhum dos dois vai te abandonar. Eu um dia vou embora, mas só peço que você guarde tudo que te ensinei".

– Eu vou guardar tudo o que a senhora sempre ensinou, mamãe! – disse Gilberto quando os último grãos de terra caíram e os coveiros começaram a colocar pedaços de grama no local.

A família se despediu dos parentes do interior e foi para o prédio onde moravam. Sônia deu um calmante para que o marido conseguisse dormir e, depois, foi para o quarto de Caio e o encontrou dormindo com a roupa que usou no velório. No quarto de Vitor, encontrou o jovem olhando pela janela e chorando. Ela o abraçou e disse:

– Chorar ajuda a limpar a alma, meu filho.

– Eu vou sentir muito a falta da vovó, mãe.

Ele colocou a cabeça no ombro da mãe e chorou enquanto tinha os cabelos acariciados docemente.

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