Coisas da Vida

O início de um fim

Quando Heitor terminou de explicar os detalhes das aulas perdidas, Caio disse:

– Eu pensei que era algo muito mais difícil. Juro para você.

– Ah, é coisa da famosa "primeira semana de aula". Quase nada para anotar, mas o pouco que tem é importante para o semestre inteiro. O mais difícil e urgente é o trabalho. O resto é isso que te passei.

– E você, cara? Como está a adaptação na faculdade e aqui em São Paulo?

– Peguei um monte de matéria de manhã e vou fazer algumas à noite nos horários que não estiver na nossa sala. Venho para cá todo dia de manhã, praticamente. Mas, é do jogo e coisa de quem muda de cidade, estado...

– E de faculdade. – complementou Caio.

– Ontem eu fui na Avenida Paulista, naquele shopping que tem perto da estação Trianon, depois fui num outro shopping... Não lembro o nome, acho que é Frei Caneca, ou algo assim.

– Shopping Frei Caneca... Conheço, mas vou pouco, pois acho pequeno. São Paulo é uma cidade muito boa, bonita. Gosto bastante. Mas, sou suspeito de falar pois moro aqui desde sempre. Meu sonho é morar no Canadá e estou planejando viajar para lá por uns meses no ano que vem, quando acabar a faculdade, ou fazer um mochilão na Europa.

– Antes das aulas começarem, eu e minha irmã fomos a vários lugares, fizemos umas fotos, postei nas minhas redes sociais... Aliás, te adicionei lá e vi que você deixa tudo trancado. Quando puder, me aceita.

– Eu uso pouco e deixo tudo fechado, não gosto de muita exposição. O Vitor usa menos ainda e, depois da morte da minha avó, eu e ele nos afastamos um pouco disso tudo, paramos de postar e de interagir. Quer dizer, quem se afastou de verdade fui eu pois o Vitor quase não usa e mal tem foto dele espalhada por aí. O cara não gosta muito de se expor e até desativou os perfis por um tempo. Ele está mal com a situação lá em casa, aí junta a briga com a Talita... A real é que ele gosta de fazer umas fotos de prédio. Quando vocês se conhecerem, vou pedir para te mostrar algumas. – então, mudando de tom, emendou – Bom, vamos para a sala?

Os dois se levantaram e, antes de darem o primeiro passo, ouviram a voz de Marcelo:

– Fala galera! Beleza? E aí, Caio? Como estão as coisas na sua casa?

– E aí, Marcelo! Estamos levando, cara. Aos poucos tudo entra no eixo. Mas, e aqui na faculdade? A festa com a grana do trote vai ser quando?

– Ainda não marcamos. A gente decidiu te esperar, na verdade, pois você sempre consegue lugares legais.

– No Paraná a gente fazia umas festas que duravam o fim de semana todo. A galera alugava um espaço tipo sítio ou chácara, com muito som, churrasco, quem quisesse poderia levar lanche e cada um levava alguma coisa para dormir. Tinha gente que dormia no carro, outros dormiam em colchonete, barraca... – contou Heitor.

– Hum... Sabe que você me deu uma ideia? Meu tio, irmão da minha mãe, comprou uma chácara lá na região de Embu das Artes. Vou ver se ele aluga e quanto ele cobra. Aliás, vou mandar mensagem agora. – lembrou Marcelo.

– Faz isso no caminho. Vamos para a sala. – disse Caio.

Marcelo pegou o celular e começou a digitar a mensagem enquanto os três caminhavam em direção a uma escada.

– Essa ideia foi top! A gente sempre faz coisas simples, um churrasco ou algo nesse sentido, mas fechar uma chácara é muito legal. – disse Caio.

– Talvez seja preciso arrecadar mais dinheiro, não sei quanto arrecadou com o trote.

– Ah, mas aí a gente divide o que falta pelo número de pessoas que confirmarem presença. A música deixa por minha conta. Tenho um amigo que é DJ e se eu convidar, levar os equipamentos e dar umas cervejas, ele não cobra nada. Só preciso ver se ele tem espaço na agenda.

– Galera, meu tio vai emprestar a chácara dele. Só pediu para a gente ver a data e avisar. – disse Marcelo em tom bastante animado.

– Aí você mandou bem, Marcelo! – disse Caio.

– Heitor, essa ideia foi fantástica! A gente só precisa ver com a Talita quanto arrecadamos e fazer as contas. E eu não vejo a hora de fazer nossa grande festa na Chácara Boa Vista. – disse Marcelo, cada vez mais efusivo.

– Acho melhor alugar umas vans ou ônibus para levar quem não puder ir de carro. – sugeriu Heitor.

– Nós três vamos no carro do meu pai. Seu irmão vai junto, Caio. – disse Marcelo.

– Mas, vamos fazer silêncio por enquanto e só avisar todo mundo quando estivermos com tudo combinado. A gente faz uma reunião no fim da aula com a Talita, vê quanto tem de grana do trote e combinamos o resto. Acho legal a gente montar uma comissão para organizar e o Heitor pode ser o presidente. – sugeriu Caio.

Os três então ouviram a voz de Bruna atrás deles. Ela estava logo atrás, acompanhada por Talita.

– Comissão para o quê? – quis saber ela.

– No final da aula a gente conta. – respondeu Marcelo – Mas, é uma ideia top demais que o Heitor deu.

– Ah, conta para a gente, Heitor! – disse Talita se aproximando e colocando as mão nos ombros do colega de sala – Ou vai querer ficar de segredinho comigo?

– O Marcelo é quem manda. Se ele disse que vamos falar no final da aula, quem sou eu para contradizer. – respondeu.

– Boa, cara! Chegou outro dia e já sabe quem manda no pedaço. É assim que eu gosto! – devolveu Marcelo sorrindo.

Os cinco chegaram na sala e se sentaram para assistir a aula. Pouco depois, o professor do horário entrou e todos ficaram em silêncio. Minutos depois, o celular de Heitor começou a receber diversas mensagens de Talita, mas ele ignorou. Assim que terminou a aula, todos saíram e Heitor retomou a leitura de um texto. Talita, que saíra para ir ao banheiro, percebeu que ele estava sozinho na sala e voltou antes de todo mundo. Assim que ela entrou na sala, foi direto em sua direção, bateu a mão na carteira e disse alto e de forma ríspida:

– Eu posso saber por qual motivo você está ignorando as minhas mensagens desde sábado?

Neste momento, Caio entrou na sala e disse:

– Opa? Eu ouvi certo? O Heitor está ignorando suas mensagens, Talita?