Enquanto Heitor olhava aquela imagem, por dentro sentia se corroer por memórias recentes envolvendo Talita e Bruna e, ao mesmo tempo, era como se seu coração houvesse reencontrado alguém muito especial. Por alguns segundos, observou a tela e se desligou do que o colega estava falando e só reconectou ao mundo real quando Caio disse:
– Essa foto aí é recente. Tem uns nove ou dez meses. Ela já estava doente e quase começando a piorar. Mas, foi guerreira até o final.
– Você lembra um pouco a sua avó. – conseguiu dizer Heitor, saindo do seu mundo de devaneios e devolvendo o celular ao colega de turma.
– Meu irmão parece mais. Qualquer dia eu marco um barzinho com nós três e você conhece ele.
– Caio, meu celular está vibrando. Eu vou ali atender e já volto. – mentiu Heitor como forma de encontrar uma justificativa para sair de perto do colega.
Ele tirou o celular do bolso, fingiu atender e caminhou até uma escada de emergência próxima ao banheiro masculino. Subiu alguns degraus, sentou e deixou a memória vagar entre a única lembrança de Vitor que tinha e os beijos em Talita. A mente, sem dono, então o remeteu aos momentos vividos com Flávio e em como o toque masculino lhe trazia sensações mais intensas do que o beijo, o sexo e qualquer outra coisa relacionada ao feminino.
Após ver a imagem de Vitor pela segunda vez, teve uma certeza: por mais que gostasse de estar com Natalie no passado e, agora, com Talita e, ainda mais recentemente, Bruna, seu jeito de olhar para Flávio era diferente e, agora, o olhar destinado a Vitor, era ainda mais especial. Ele sentia uma espécie de estado caótico interior, de quebra de barreiras, de vontade de viver novas histórias e experiências ainda mais intensas e verdadeiras. Se quando morava no Paraná oscilava entre as sensações experimentadas com os seus dois amores, digamos assim, ele via em Vitor a possibilidade de unir tudo isso e ir além.
Queria sair dali, correr, gritar, chorar e depois ir até Vitor pedir desculpa por tudo o que tinha acontecido, por ter ficado com Talita, por ter transado com ela na sauna do condomínio. Ao mesmo tempo, sabia que aquela era, sem qualquer dúvida, uma ilusão e, por mais que seu coração tivesse se afeiçoado pelo irmão do colega de faculdade e, contra a sua vontade, uma pequena paixão parecia surgir, definitivamente aquela tinha tudo para ser uma armadilha.
"Vitor não curte caras. Impossível ele querer qualquer coisa comigo além de amizade. Preciso deixar isso passar, focar nos estudos e esquecer tudo", pensou.
Por fim, ao se dar conta de que, de fato, estava gostando e começando a alimentar um forte interesse no irmão de seu colega, quis chorar ao pensar em todas as dificuldades que isso envolvia. Então, respirou fundo, voltou para a mesa onde Caio o esperava e, tentando disfarçar o nervosismo, sentou e disse:
– Bem, vamos voltar ao tira-dúvidas sobre o material que te mandei no celular?
– Você está bem, Heitor? Parece um pouco triste.
– Só um probleminha em casa, nada demais. – disfarçou o outro.
– Se quiser ir, a gente conversa outro dia.
– Não, nada muito sério. Ah, eu vou mandar o trabalho para você por e-mail assim que chegar em casa. Ontem tinha umas coisas para estudar e acabei esquecendo. Aí a gente entrega na semana que vem e pronto.
Os dois começaram a conversar sobre as aulas perdidas por Caio.
***
O relógio marcava pouco menos de seis da tarde quando Talita saiu do quarto e encontrou o pai na sala.
– Minha filha, nós precisamos conversar sobre aquela situação de sexta-feira.
– Pai, podemos conversar na volta? Eu estou indo para a faculdade e...
– Não, nós não iremos conversar depois. – interrompeu o pai – Tem que ser agora! Hoje eu recebi uma notificação do condomínio sobre barulho e também conversei com a síndica por telefone. Parece que você faz isso com alguma frequência, mas desta vez parece que você se excedeu. Então, conversei com a sua mãe ontem e vamos tomar algumas providências em relação a isso. Hoje ela vem aqui, vamos jantar e definir o que fazer. Por enquanto, é isso.
– E porque a minha mãe decidiu ser presente só agora?
– Minha filha, você está sendo parcial com a Fátima. Você lembra o que aprontou quando foi morar com ela? Estava naquele papo de ser atriz, fazia algumas apresentações aqui e ali e do nada apareceu com aquele seu namorado fotógrafo, o Renan, eu acho. Ele roubava as coisas do apartamento dela para vender e comprar droga, lembra disso? Aí sua mãe chamou a polícia e você fez o quê? Disse que sua mãe estava sendo injusta. Ah, me poupe, Talita! Você veio morar comigo, mas a Fátima nunca te abandonou! Você pode ir lá sempre que quiser, passa quanto tempo desejar... Definitivamente, acusá-la de ser uma mãe ausente é um absurdo!
– Eu vou para a faculdade. – disse Talita irritada.
– Nós três conversamos quando você voltar. – disse Armando olhando a filha se afastar.
Quando chegou na faculdade, encontrou Bruna na saída do estacionamento e disse:
– Ai, amiga! Ainda bem que eu te encontrei. Desculpe por aquela discussão no dia do trote. Eu preciso conversar, vamos no bar?
Algum tempo depois, elas estavam sentadas em uma mesa na calçada. Talita contou tudo o que tinha acontecido nos últimos dias e Bruna, sem comentar que estivera com Heitor no dia anterior, disse:
– Ai, amiga! E o que você acha que os seus pais vão fazer?
– Não sei. Acho que vem aquele papinho de cortar mesada, é a única coisa que eles sabem fazer. Mas, meu pai nem sonha que já me viro sem a merreca que ele e minha mãe me dão todo mês. Essa grana vai fazer falta? Vai, mas eu consigo dar um jeito.
– E o que você pensa em fazer, Talita?
– Tudo, Bruna!
– Mas, o que especificamente?
– Tudo, amiga! Tudo!
VOCÊ ESTÁ LENDO
Coisas da Vida
RomanceHeitor é um jovem universitário com uma vida aparentemente perfeita, mas seu coração guarda um amor improvável. De repente, o pai anuncia que a família está de mudança para São Paulo e ele vê sua vida mudar radicalmente. Na nova cidade, ele precisa...