Memórias

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O médico caminhou até uma poltrona disponível, se apresentou e Gilberto, muito triste, apresentou a família. Logo depois, o profissional disse:

– Nós fizemos o possível para trazer a melhor notícia possível para vocês e o que eu tenho para dizer hoje é que a paciente Rosária está com todo o suporte necessário para que os cuidados paliativos tenham os melhores resultados, pois, infelizmente, os exames dela ao longo das últimas semanas e as avaliações preliminares que fizemos após a internação de hoje mostram que a quimioterapia não surte mais nenhum efeito. Estamos monitorando a paciente de forma ininterrupta e, por enquanto, isso é a única coisa que podemos falar.

– Doutor, é... E quanto tempo a minha avó... Vai ficar sob os cuidados paliativos? – quis saber Vitor.

– Não tenho essa informação no momento pois não sabemos e nem podemos calcular algo nesse sentido. Ela pode ficar por um dia, uma semana, três meses... Só o corpo dela sabe até quando consegue suportar e, para quem acredita, quando Ele vai chamá-la de volta.

Gilberto começou a chorar e Sônia o abraçou. O médico então continuou:

– Nosso hospital dará todo o suporte necessário para vocês. A senhora Rosária será abrigada em um apartamento com toda a estrutura e conforto necessários. Desta forma vocês terão acesso total e 24 horas à ela. Vamos, inclusive, designar algumas pessoas da equipe como responsáveis pelo atendimento prioritário da paciente e teremos mais dois médicos e uma enfermeira líder no período diurno. Sempre que vocês virem qualquer um de nós pelo corredor, fiquem à vontade para nos chamar para o que for preciso. Se nós não soubermos como ajudar, certamente saberemos acionar alguém que possa ajudá-los efetivamente.

– Muito obrigado, doutor. – disse Sônia.

– Vocês têm mais alguma dúvida ou pergunta?

– Quando a minha avó vai para o apartamento? – quis saber Vitor.

– Ainda esta noite, possivelmente na madrugada. Estamos preparando todo o suporte necessário para isso e vamos avisar vocês antes da transferência. Também vamos preparar uma estrutura para que vocês tenham o conforto básico necessário quando estiverem junto a ela.

– Obrigado, doutor. – disse Vitor.

– Bem, fiquem à vontade e estamos à disposição.

O médico saiu da sala e a família se reuniu em um abraço. Vitor, o que menos se deixou abater naquele momento, característica herdada da mãe, foi o primeiro a se manifestar:

– Pai, eu vou ficar do teu lado por quanto tempo for necessário.

– Eu também, pai! – disse Caio logo na sequência.

– Todos nós estaremos com você nesse momento, meu amor. – disse a esposa.

Os quatro ficaram abraçados por mais algum tempo e então voltaram para a sala anterior. A mulher, então, pediu a Vitor que fosse com ela até a casa da família para buscar algumas roupas e alguns itens.

– Mãe, fala o que você quer e eu vou com ele. – sugeriu Caio.

– Tragam umas peças de roupas mais confortáveis para mim e para o Gilberto. Quando vocês chegarem lá, mandem algumas fotos e eu ajudo a escolher.

– Meu filho, traga um carregador para o meu celular também. – pediu o pai.

Alguns minutos depois, os dois irmãos estavam no carro, a caminho do apartamento da família em silêncio, quando Vitor, ao volante, puxou assunto:

– Papai vai precisar muito da gente, Caio.

O outro continuou em silêncio por alguns instantes e então disse:

– Vovó sempre foi uma mulher especial. Eu lembro que quando a gente brigava na infância e ficava sem se falar, ela fazia todo um drama até a gente conversar de novo. E lembra quando o papai e a mamãe colocavam a gente de castigo e ela dizia que iria levar nós dois na pracinha em frente ao prédio e então ela levava a gente na lanchonete?

– Eu lembro! E quando a gente assistia futebol juntos, o time de um ganhava e ela ficava paparicando o outro? Como o meu time sempre perdia, eu nem sei quantas vezes eu fui na sorveteria para tomar quanto sorvete eu quisesse. – disse Vitor.

– E os porres que a gente tomava quando levava um pé na bunda de alguma menina na adolescência? E sempre ouvia a gente falar dos nossos namoros, dava conselhos...

Os dois ficaram novamente em silêncio e o irmão ao volante disse:

– A lembrança do carinho e da dedicação que vovó sempre teve com a família serão para sempre, meu irmão. Ela pode partir, mas a presença dela sempre vai estar no nosso coração.

Enquanto isso, no hospital, Sônia recebeu a numeração do apartamento onde a sogra ficaria e foi para lá com Gilberto. Quando os dois chegaram no espaço, Gilberto viu uma enorme janela e foi até ela, dizendo:

– Aqui tem uma vista maravilhosa. Mamãe sempre disse que quando uma porta parece se fechar, uma enorme janela aparece como forma da vida mostrar para a gente que tem sempre algo lá fora.

– Ela construiu uma família incrível. Eu nunca vou esquecer do dia que minha mãe morreu, nós dois já namorávamos e ela disse que poderia contar com o colo dela sempre que precisasse. Aí, um dia a gente brigou feio, lembra? Quando eu disse que a gente iria terminar o nosso noivado, ela disse que você sempre foi cabeça dura e que mesmo se a gente se separasse, eu poderia continuar contando com o ombro dela. Depois disso, pensei bem na minha decisão, você me fez aquela surpresa, pediu desculpas e eu te dei mais uma chance.

– Ela disse que, se eu gostasse de você de verdade, deveria fazer uma loucura. "Se der certo, ótimo. Se não der certo, ótimo também", ela disse. E então eu tomei coragem e fiz.

– Pouco depois meu pai morreu e ela ajudou eu e minha irmã em tudo que a gente precisava. Aliás, a Daniela gosta muito da sua mãe e preciso avisá-la sobre o estado de saúde dela.

– Eu lembro que ela foi na sua festa de formatura, na minha e na da sua irmã. A verdade é que mamãe sempre quis ter mais filhos, mas papai morreu cedo, ela se envolveu com os negócios e não quis ter mais nada com ninguém.

A porta do apartamento se abriu e a maca que levava Rosária entrou, empurrada pela equipe do hospital. Após ela ser colocada na cama, Gilberto e Sônia se aproximaram, seguraram sua mão e ele disse:

– A gente está aqui, mamãe. O Vitor e o Caio foram em casa, mas daqui a pouco eles voltam. A gente só sai desse hospital quando a senhora tiver alta.

Ela então abriu os olhos bem devagar e sussurrou:

– Eu quero falar com os meninos.

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