Acordou no meio da noite com gritos vindo de algum lugar dos corredores do segundo andar. Os tão conhecidos gritos que já estava acostumada havia um tempo. Não se lembrava mais de como era ter uma família normal. Há anos que não via o gracioso brilho no olhar de sua mãe. Queria entender o que aconteceu para tudo mudar tão de repente.
Se levantou de sua cama e resolveu sair do quarto, confirmando apenas o que já sabia. A porta do quarto de seus pais estava aberta. A luz acesa iluminava o escuro e quase vazio corredor, que possuía apenas três figuras pequenas e assustadas escolhidas no final dele. Seus irmãos.
Miguel e Jean conseguiram ainda fazer parte do tempo em que seus pais possuíam o mínimo de afeto um pelo outro. Ou talvez, de quando sua mãe ainda possuía afeto pelo seu pai. Porém, Maria não teve tanta sorte. Logo após seu nascimento, Carla e Daniel começaram a mudar um com o outro. Ou melhor, Carla com ele já que ele a tratava daquele jeito há um tempo. Desde então, os dois viviam brigando. Sua mãe já não possuía aquele brilho nos olhos. Em seu lugar, era visto apenas nojo e raiva ao olhar para Daniel.
Apesar de não entender muito bem a situação por conta de sua idade, sempre foi inteligente o suficiente para notar o que acontecia ao seu redor. O treinamento para assumir o cargo de sua mãe começou quando ela possuía apenas cinco anos, e não incluía apenas ensinamentos sobre responsabilidade ou finanças, mas também sobre comportamento humano.
Sua vó sempre dizia que se devia de ter uma noção com quem estaríamos prestes a fazer negócios. Também falava que as pessoas eram instáveis, cruéis e egoístas. E assim como sua mãe, lhe ensinou que devia ser como elas e agir da mesma maneira para não sofrer na vida. Mas não queria ser assim. Queria ser forte, mas não cruel. Não achava certo. Se sentia triste pelas brigas, por seus irmãos, por tudo. Queria não ligar, mas não conseguia.
Caminhou em direção às pequenas figuras que estavam no final do corredor. Apesar de estar indo na direção oposta do quarto de seus pais, os gritos não cessavam. Por conta do silêncio da madrugada, as vozes ressoavam por todo o andar, senão pela casa inteira. Queria abraçar Rosa, a única pessoa naquele lugar que ainda parecia gostar dela. Porém, não podia incomodá-la a uma hora dessas.
Ao chegar perto de seus irmãos, se abaixou. Apesar da pouca iluminação, conseguiu ver suas expressões. Jean estava com a cabeça apoiada nos joelhos, soluçando baixinho, enquanto Miguel e Maria se abraçavam. Apesar da expressão séria do menino, lágrimas rolavam por suas bochechas, enquanto Maria chorava livremente. Ela tinha apenas três anos, não merecia passar por isso.
— Por que eles estão brigando de novo, Leyla? — A menininha perguntou por entre o choro.
Não respondeu, apenas se sentou ao seu lado, abraçando os irmãos. Já estava tão acostumada com a situação que, mesmo querendo chorar, não possuía mais lágrimas. Porém, a tristeza ainda era a mesma de sempre.
Camila acordou subitamente e encarou o teto mal iluminado. O que havia sido aquilo?
Sentiu algo em seu rosto, e passou a mão para ver o que era. Estava molhado. Havia chorado? Logo, passou a mão por seus olhos, confirmando que estavam úmidos.
Era mais uma das memórias de Leyla? Já fazia um tempo que não sonhava com elas. Mas dessa vez, não era a memória de Daniel junto da mulher misteriosa. Parecia ser um passado bem mais distante. Por que estava sonhando com isso?
Continuou encarando o teto, se lembrando do sonho que teve há poucos segundos atrás. As palavras que Maria lhe disse na escadaria há algumas semanas, ecoaram por sua mente.
"...Parece que eles simplesmente deixaram de se gostar. E Miguel sempre disse que ele deve ter conhecido alguém em algum momento depois disso."
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A Viajante - A Resistência Secreta (Livro 2)
Ciencia Ficción⚠ Atenção, este é o segundo livro da triologia "A Viajante". A sinopse pode conter spoilers! ⚠ Sem a ajuda de Henry Danly, os Viajantes se veem perdidos e sem nenhum rumo para seguir em frente ou encontrar as soluções de seus problemas. Após se liv...