Confissões (Final)

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Estilhaçado. O céu sobre a cabeça me parece um tanto quanto diferente, as cores distorcidas, tons que nunca vi antes. Pontos amarelos brilhantes surgem e somem no campo de visão num piscar de olhos, fruto do golpe que sofri. Fragmentado. O cheiro de uma calma noite de outono junto ao meu perfume floral logo é substituído pelo inconfundível odor de ferragens, madeiras mofadas, mas não leva muito tempo até que outra sensação se sobressaia. Tento me mexer, é impossível, tem algo me impedindo. Além disso, todos os meus ossos parecem explodir com a dor se espalhando, algo duro abaixo de mim incomoda as costas. Tusso algumas vezes, e o peito queima.

Desvio o olhar para a janela do terceiro andar na qual fui jogada, parte de mim ainda não acredita, porém é real. O sangue escorrendo na minha testa não me deixa continuar duvidando, assim como a barra de metal cravada no meu estômago. Tudo que me resta é gemer e sacudir os braços, numa tentativa de afastar o sofrimento físico. Grito, até que a latência na cabeça se torne mais forte que as demais dores.

Ana avançou com tudo e no ápice do seu ataque de fúria, me empurrou com tanta força que os vidros da janela não foram suficientes para me amparar. Como se não bastasse, bati as costas nas ferragens do andaime, que desmontou com meu impacto.

Gritos ecoam, cabeças espiam, suspiros são largados. Em alguns poucos segundos, os passos na relva aumentam. Quando meu nome é mencionado, aos berros, a visão escurece, eu pisco, demorando demasiadamente para reabrir. A cabeça pende para a esquerda, e não é um movimento que consigo evitar. Apago.

Ao abrir os olhos, sou o centro da atenção das pessoas. O cabelo bagunçado atrapalha a visão, as pálpebras pesadas. A polícia barra os alunos através de um escudo humano a uma distância segura, um raio de alguns metros. Laura e Helena são os que mais berram desesperados atrás da barreira. Minha melhor amiga precisa até mesmo ser contida por outros para não quebrar o cerco. Nossos olhares se cruzam brevemente. Viro a cabeça lentamente para uma silhueta ao meu lado, e isso me custa um alto preço. Não consigo evitar a dor, ela escapa pelos lábios na forma de gemidos altos. Tão logo, o amargor do gosto de sangue inunda minha boca.

– Vai ficar tudo bem! – meu namorado, agachado em meio às barras tortas do que sobrou do andaime afirma mais para si do que para mim. Não sei como conseguiu ficar aqui comigo mas deve ter feito tudo ao seu alcance para tal.

Olhar para o seu rosto desolado me machuca, por algum motivo eu conecto aquela expressão aos dias após o seu espancamento. E então lembro que não disse que assisti tudo. Agora que mal consigo falar, percebo que pode ser a minha última oportunidade.

– Tem algo...Que... Tá doendo muito – no meio da fala, o ar me falta, e quase não consigo terminar, por isso, falo mais rápido.

– Não diga mais nada. A ambulância já está chegando – Ben soluça. Os olhos estão fundos e ele não para de olhar para as minhas pernas, bem onde sinto como se tivesse uma prensa comprimindo-as.

Mais uma vez, emprego esforços para observar a parte inferior do meu corpo, erguendo a cabeça.

– Não olha – meu namorado me impede, colocando a mão sobre a minha testa, me obrigando a deitar novamente.

As suas pupilas vacilantes me dizem que estou com problemas, muitos problemas. A dor forte na região só confirma o que já imagino.

– Ana empurrou você mesmo? – ele funga, tendo que limpar o muco que escorre do nariz com a blusa.

Confirmo devagar com a cabeça, e os olhos brilhantes começam a se encher de umidade de novo.

– Ben... Eu... Preciso te dizer.

– Não Beth, poupe suas energias – o garoto se esforça para não desmanchar em lágrimas. As mandíbulas tensas.

A dor no meu estômago se intensifica, a cada segundo, a barra de metal atravessada me fere a cada segundo.

Meu Amor Adolescente [Completa]Onde histórias criam vida. Descubra agora