Rantevoú

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Rantevoú (s. f.):
Substantivo grego para "ter um encontro".

Point Of View Charlotte

Não. Negação. Eu não posso. Não sei por quanto tempo eu fiquei parada olhando pra direção contrária do mar e vendo Engfa se afastar, parecia que ela levava em seus passos um pedaço do meu coração. Foi só uma negativa que fez meu cérebro bugar. O que diabos eu tinha feito pra que ela não quisesse sair comigo? Não faz o menor sentido, minutos atrás ela estava respondendo a todos os estímulos que meu corpo provocava no dela... Talvez fosse isso, só sexo. Mordi os lábios e respirei fundo, é óbvio que não é só sexo, é Engfa, apesar de ter um jeito só dela e ser difícil de entender, ela jamais faria isso, não comigo pelo menos. Ela nunca brincaria com meus sentimentos, ela me protege de tudo, sempre.

É isso, claro. Engfa deve ter pensado que eu só estou fazendo isso por ela e que eu estou tentando viver um conto de fadas, porque eu acho que é o que ela espera, mas não é. Eu realmente quero ficar com ela, não sei como, não tenho um nome pra isso e nem um rótulo mas não é só uma aventura de viagem romântica e eu achei que ela soubesse disso, ou pelo menos sentisse. Fui atrás dela correndo, tentando deixar pra trás as dúvidas e incertezas que rodeavam meu coração.

- P'fa! - Chamei, e o movimento que ela fez pra se virar, fez com que meu coração errasse uma batida. Como é possível que ela não acredite que eu realmente a quero, e quero por mim mesmo?

- Ta pronta? - Perguntou forçando um sorriso.

- É só um jantar, P'fa. - Abri meu sorriso, que sabia que a afetava - Não é um pedido de casamento.

Engfa mordeu os lábios, como se tivesse em dúvida sobra a resposta.

- Sério, poxa. - Me aproximei e toquei seu rosto com a ponta dos dedos - Pequena, me deixa te levar pra jantar... comida, música... - Beijei sua têmpora - Sorrisos... - Beijei sua bochecha - E eu até prometo rir das suas piadas. - Escutei uma pequena risada que aqueceu meu coração. - Por favor, P'fa. - Fiz minha melhor voz de súplica e Engfa se moveu tão rápido, que eu só entendi o que tava acontecendo quando senti seus lábios chocando contra os meus de forma quase ríspida. Engfa me beijou com força, sem nenhuma delicadeza, carregava um certo desespero que me deixou preocupada, mas quando senti seus lábios se movendo e se moldando aos meus deixei que os sentimentos ruins escapassem de mim pra que eu pudesse aproveitar o que eu desejava do fundo do coração que tenha sido um sim. O beijo durou alguns minutos e foi encerrado com um abraço também forte da pequena que estava na minha frente. Senti seu coração acelerado e o medo em seu aperto forte, senti a responsabilidade e o peso de todas as nossas decisões, entendi que pra Engfa, apesar de não ser um pedido de casamento, um encontro comigo significava muito e que ao aceitar ela estava se abdicando um pouco do controle das ações e acreditando que o universo pudesse nos presentear com um amor leve, que não machucasse nenhuma de nós duas... Seu sim era como uma prece, uma prece pra que nossas almas pudessem repousar no oceano de tudo que a gente estava vivendo.

- Vamos embora, que eu tenho que me arrumar pro meu date com uma gatinha - Ela piscou e saiu me arrastando.

O caminho de volta foi estranhamente silencioso, não que fosse um silêncio ruim, era só diferente, como se ambas estivessem aproveitando a presença, o momento e tentando não cair na tentação da paranoia. Chegamos ao cruzeiro e ela disse que ia se arrumar e eu também fui, enquanto deixava minha mente viajar em todos os pensamentos que acumulei durante nossa viagem. Eu entendia tudo que se passava na cabeça da Engfa, ou pelo menos aquilo que ela queria que eu soubesse, entendia algumas coisas que ela tentava esconder e tentava entender que eu não tinha o direito de invadir sua privacidade e obrigar que ela partilhasse seja lá o que ela não queria que eu soubesse. Era nítido seu medo de me enfiar em um relacionamento pautado por obrigação ou por medo de machucá-la e eu sentia seu esforço em aproveitar o momento sem criar expectativas, enxergava sua luta em se controlar pra não pular da ponte de mão dadas comigo... A única coisa que eu não era capaz de entender era o porquê dela não entender que eu queria que ela pulasse, eu queria ser levada, olhando pro lado e encontrando seus olhos fechados curtindo a brisa do nosso sonho. A minha prece era pra que ela entendesse que eu queria mais, por livre e espontânea vontade.

Eu queria que ela me dissesse, dissesse que me quer pra que eu pudesse ser completamente dela, seja pra melhor ou pra pior o meu coração gritava que queria experimentar todas as nuances de um relacionamento com minha melhor amiga. Eu sei que nós vamos discordar de um milhão de coisas e que provavelmente vamos brigar por todos os motivos mais bobos, ou simplesmente por razão nenhuma e mesmo assim eu não mudaria isso por nada no mundo. Porque mesmo que eu não soubesse a maneira, eu sempre soube desde o primeiro dia que a conheci que eu nunca ia deixar ela escapar. E só eu sei o quanto foi difícil criar coragem pra convidar ela pra jantar, coisa que eu nunca tinha sentido antes, ansiedade pra fazer um convite, mas enquanto as ondas quebravam eu tentava encontrar as palavras pra trazer ela até aqui hoje.

Engfa faz meu coração parecer verão, mesmo quando a chuva está caindo, faz meu mundo inteiro parecer certo mesmo quando ele está errado e de certa forma é por isso que eu sei que ela é única, é exatamente por isso que eu sei que ela é única. E apesar de ser claro como o sol o medo que habitava todas as nossas ações, eu sei que é fácil ter medo da vida, mas com ela eu me sinto preparada pra qualquer coisa, é como se com ela eu não tivesse medo de nada, porque nossos corações deixam tudo mais fácil, juntando nossos cacos, se tornando um só.

Liberdade é também poder escolher se prender a alguém, é ter o direito de escolha em cruzar destinos e histórias, famílias e sonhos, Engfa faz eu me sentir como se minha mente estivesse livre e todos os meus sonhos fossem alcançáveis. Ela foi a única que nunca pressionou nenhuma decisão minha, ela sabe que eu nunca acreditei nos relacionamentos padrões onde as pressões existem, mas no fundo da minha alma eu sempre acreditei que nós nos pertencíamos, de uma forma além.
Ficar com ela e pular de cabeça em tudo que a gente tá vivendo é também me libertar das minhas próprias amarras e medos. No meio dos meus pensamentos e das minhas arrumações para o jantar, ouvi sua voz me despertando.

- Tá pronta, Lotte? - Ela perguntou e meu coração acelerou.

Respirei fundo antes de responder, sabendo que minha resposta teria um sentido muito mais amplo do que simplesmente um jantar.

Presente de GregoOnde histórias criam vida. Descubra agora