Presente de Grego

Noesis

Noesis (s. f.):
Conceito da filosofia grega que significa compreensão imediata, objetiva'. Termo utilizado por Platão para referir-se ao grau máximo de conhecimento próprio dos Filósofos.

Point Of View Charlotte

Nunca tinha pedido alguém em namoro, mas também nunca tinha amado alguém como eu amo a Engfa. Eu nunca achei que eu fosse encontrar alguém que eu quisesse ter ao lado pro resto da vida, eu acreditava que as pessoas fazem parte de nossas vidas pelo tempo necessário, o fim de um relacionamento nem sempre é falta de amor ou sinônimo de fracasso.

E mesmo agora que eu estava inegável e irremediavelmente apaixonada por ela, eu não tinha como prever o que aconteceria conosco dali pra frente. Mas eu queria correr o risco, eu tinha tanta certeza como nunca tive com relação a nenhum outro acontecimento da minha vida.

Certa vez eu li que a pessoa certa é aquela que faz a gente mudar todas as nossas convicções e mesmo assim fazer sentido. Achei a maior bobeira, e continuo achando sem razão essa busca incessante pela pessoa certa, afinal de contas a gente não sabe é de nada. Mas de uma coisa eu sabia muito bem: eu queria ter a Engfa na minha vida pra sempre, não importa de que jeito.

Eu a conhecia muito bem. Eu entendia os medos e as inseguranças, e justamente por isso eu sabia que ela tinha que fazer uma escolha. A minha já estava feita.

Pedir minha melhor amiga em namoro não era uma promessa de amor eterno, era só o compromisso em estar de verdade com ela, com todo caos que ela trazia consigo e todo sossego que teríamos juntas. Mesmo sendo uma certeza pra mim, eu queria que ela tivesse a chance de escolher e, caso realmente fosse demais pra ela lidar, eu iria respeitar e continuar sendo a pessoa que ela precisaria que eu fosse.

Por isso fiz ela ir atrás de mim. E felizmente ela escolheu viver aquilo comigo. Felizmente ela estava tão disposta quanto eu a descobrir juntas como a gente iria viver a nossa verdade de uma vez por todas.

- A gente precisa mesmo contar de novo pra todo mundo que a gente tá namorando? - Engfa me perguntou, com o rosto enfiado no meio do meu cabelo.

- P'fa. - Chamei sua atenção. - Eu não quero te namorar de mentirinha. - Eu queria que ela entendesse com todas as letras, sem sombra de dúvidas, o quanto aquilo era sério pra mim. - Você é a minha maior verdade.

- Com você falando assim eu vou querer falar do nosso namoro até pro jornaleiro que tem em frente à padaria. - Ela fez graça e me beijou mais uma vez.

- E você só queria vir pra Grécia... - Comentei, mais tranquila.

- Mal sabia eu que nenhum lugar do mundo tem tanta graça quanto viver ao lado teu. - Engfa sussurrou no meu ouvido e me arrepiou todos os pelos da nuca.

- Mas é bonito pra caramba isso aqui. - Falei pra implicar, ela riu, mas paramos pra admirar a paisagem bem na nossa frente.

A baía de Amoudi brilhava lá embaixo dos 250 degraus que eu subi um a um ensaiando mentalmente como pediria Engfa em namoro e no fim acabei só perguntando, depois de umas reflexões dispersas e relapsas.

- É sim, mas a gente pode voltar de jegue, né? Eu só subi a pé porque todo meu dinheiro ficou contigo. - Ri da careta que ela fez e mordi seu nariz.

- Pode, pequena. - Dei um beijo em sua testa. - Você chegou rápido aqui.

- Eu achei que ia ter que implorar pra você não me abandonar. - Ela foi sincera e eu pude ver a angústia tomar conta do seu tom de voz novamente.

- Engfa, toda vez que qualquer insegurança tomar conta do seu coração - Fiz uma pausa pra que ela prestasse atenção - Lembra de uma coisa: você não vai me perder. - Falei com toda segurança do mundo. - Eu não sei pra onde a vida vai nos levar... - Brinquei com os dedos dela em minhas mãos. - Mas eu vou estar sempre aqui com você, ok?

Ela piscou os olhos devagar como se tivesse absorvendo e um peso tivesse sido tirado de nós duas. A gente sabia que não era simples assim, que a confiança e a segurança em um namoro eram construídos aos poucos, mas era justamente aí que eu queria chegar. E independente do status, eu estaria sempre lá por ela.

Como resposta, Engfa me ofereceu o dedo mindinho e eu entrelacei o meu ao dela, como sempre fazíamos desde a primeira briguinha besta de nossa amizade, quando o menino que ela gostava pediu pra ficar comigo. Óbvio que eu recusei, ela era sempre prioridade pra mim.

- Vamos, amor? - Me levantei do balanço. Já estava tarde pra hora do almoço e a gente estava em Santorini, pelo amor de Deus!

- Vamos. - Ela levantou e pegou em minha mão.

Como prometido, voltamos de jegue. Almoçamos num restaurante chique que estava incluído no nosso pacote e aproveitamos a internet pra atualizar nossas famílias. Nos reservamos o direito de ser completamente bregas e comer macarrão igualzinho A Dama E O Vagabundo. Lembro que era um dos sonhos da Engfa adolescente que ninguém compreendia, e sem mencionar essa lembrança, percebi o brilho nos olhos dela.

Mas estava realmente me incomodando ter que encarar a normalidade do nosso namoro, porque pra todas as outras pessoas em nossas vidas, já era uma verdade absoluta antes de a gente ir. Eu não pude nem ter o momento de contar pra alguém que eu a pedi em namoro...

- Engfa, eu não quero viver pra sempre numa mentira... - Confessei, enquanto a gente estava andando de mãos dadas à beira mar.

- Do que você tá falando, amor? - Ela me olhou sem entender.

- Todo mundo achando que a gente já namorava desde antes...

- E você quer viver comigo pra sempre, Charlotte? - Ela me lançou um olhar de provocação.

- Se a gente terminar o namoro vai ser pior ainda pra explicar pras nossas famílias. - Exagerei no tom pra fingir que o motivo era aquele.

- Já sei, você pode ir morar comigo de vez e a gente conta que o pedido de namoro de verdade foi um pedido de casamento. - Gargalhei de seu plano infalível.

- Genial hein Engfa, e no pedido de casamento de verdade o que a gente diz? Uma mentira em cima da outra?

- Se realmente for os dois juntos não tem mentira nenhuma, você quer casar comigo, Charlotte?

- Claro que eu quero casar contigo, P'fa. - Ela riu alto e eu beijei sua testa. - Mas não agora. Eu largo a toalha molhada em cima da cama. Eu guardo alguma coisa e esqueço onde está. Eu acordo cantando desafinado e vou dormir quase quando amanhece.

- Eu já sei disso tudo. - Ela riu, e pela sua expressão eu percebi que pra ela era realmente óbvio toda a minha extensa lista de defeitos. - Mas você tem razão. Bora voltar pro navio, temos até amanhã pra descobrir o que fazer antes de chegar em Bangkok.

O sol estava se pondo e a gente já estava de volta ao píer. O navio partiria em menos de uma hora, rumo à nossa vidinha normal.