Capítulo 2

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Rangi's P.O.V

Quando a voz estridente da Britney Spears cantando "Toxic" começou a tocar no celular que deixei ao lado do travesseiro, quase rolei da cama para o chão na pressa de desligá-lo. Me sentia péssima, em parte porque quase não tenho dormido - tirar um cochilinho à tarde é o que me mantém em pé -, mas, principalmente, porque agonizava há semanas esperando aquele número aparecer no meu aparelho.

Passei o dedo na tela para silenciar a música pop e tentei parecer mais acordada do que realmene estava ao dizer "alô", com a voz trêmula. Não ligo para o que pensam do meu péssimo gosto musical. Passo os dias enfiada na sarjeta, lidando com drogados, maridos que batem na mulher e pais negligentes. Me recuso a ouvir o que não seja animado e nem tenha o efeito chiclete das canções pop. Como meu trabalho nem sempre é divertido, faço questão de que todo o restante na minha vida seja.

- Você sabe que é hoje que eu caio fora daqui, né?

Tirei um chumaço de cabelo negros embaraçado da cara e me arrastei
até a beirada da cama. Mordi o lábio inferior e tentei estabilizar minha respiração. Eu sabia que ele sairia do hospital naquele dia, claro. O que não
sabia é se ele iria me querer por perto quando finalmente tivesse alta. Apertei os olhos e dei graças a Deus por não estarmos frente a frente. O Yun me conhece melhor que qualquer outra alma viva deste planeta e, se estivéssemos no mesmo recinto, perceberia que tenho me afogado na culpa e me odiado nos últimos tempos. Que inferno! Se meu atual estado de agonia é visível para alguém tão desencanada quanto Kyoshi, não tem como meu melhor amigo e parceiro de trabalho não notar. Além disso, se bem conheço o Yun, aposto que ele adivinharia que esse meu estado tem tudo a ver com o que aconteceu com ele naquela chamada do inferno que nós dois atendemos.

- Eu sei. Só não sabia se iria me querer aí ou não. Sei que sua família vêm para te fazer companhia até você se recuperar e não queria atrapalhar.

Até eu achei essa resposta patética e ridícula.

Eu e o Yun somos inseparáveis desde que tínhamos 5 anos de idade.

Nunca, esse tempo todo, ele me quis longe. Nunca o atrapalhei, em nenhum
momento sequer da nossa amizade, e toda a família dele me considera uma
parente. Acho que por isso o que aconteceu pesa ainda mais sobre meus
ombros.

O Yun soltou um suspiro, depois um palavrão. Sua voz grave parecia distante, e ele me xingou baixinho:

- Vem para cá, Rangi. Já deixei você ficar emburrada por duas semanas. Supera. Acidentes acontecem, e vão continuar acontecendo, porque isso faz parte da vida de qualquer policial. Estou engessado da canela até a cintura, caramba. Estou com o ombro quebrado e nem consigo respirar sem ter a impressão de estar engolindo ácido sulfúrico. Estou me sentindo uma bosta, parecendo uma bosta, e minha melhor amiga não está aqui do meu lado. Será que você pode parar com isso?

Não consegui controlar as lágrimas que começaram a escorrer dos meus olhos. Limpei-as com os dos dedos e levantei. As palavras que o Yun disse a seguir foram uma facada, e tenho certeza de que proposital:

- Preciso de você aqui, garota.

A gente sempre precisou um do outro, tanto na vida pessoal quanto na profissional, e é por isso que me sinto tão mal. É por isso que não consigo esquecer o quanto o decepcionei. Era para eu ter protegido meu amigo, como ele sempre me protegeu, mas, em vez disso, quase provoquei sua morte.

O Yun gritou que estava na hora de eu superar aquilo. Desliguei o telefone e fiquei no meu apartamento, andando de um lado para o outro, tentando ficar mais apresentável. Minha cara nunca fica muito boa depois de eu passar a noite bebendo. Isso, somado a uma noite em claro e eu ter levado outro fora de uma certa idiota extremamente alta e sexy, e eu devia estar com a cara tão acabada quanto a do Yun. Eu estava mais pálida do que o normal, com os olhos vermelhos e uns machucados bem feios em volta dos dois pulsos. Tudo isso fazia a vergonha e o arrependimento disputarem com a culpa pelo primeiro lugar no pódio daquela enchente de emoções que estava me afogando.

Riscos da Paixão (Rangshi)Onde histórias criam vida. Descubra agora