• Capítulo 33 •

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    Maraisa deu um pulo ao escutar a voz repentina de Marilia e seu coração começou a bater loucamente em seu peito. Podia jurar que empalideceu. Nem ao menos escutou a chegada dela.

    O tom de voz de Marilia não parecera irritado, tampouco seu semblante demonstrava tal sentimento. Ela só estava com a cabeça levemente inclinada, como se estivesse curiosa.

    — Eu... E-eu... — Maraisa tentou dizer alguma coisa, mas sua língua pareceu enrolar. Ela não fazia ideia de quanto tempo fazia que Marília estava observando-a. Será que de poucos passos na frente da porta, onde Marilia estava, deu pra ver direito o que Maraisa fazia? Será que viu ela segurando o bendito caderno?

    — Engraçado, lembro de ter ouvido você dizer que ia pegar outra bebida. Aqui? — Marília indagou e se aproximou da mesa onde Maraisa estava parada feito estátua atrás.

    — Eu não tava mexendo nas suas coisas... — Maraisa conseguiu fazer sua voz sair.

    Marilia apontou pra mesa e, com um outro movimento, pras gavetas.

    — Isso me parece minhas coisas.

    Maraisa olhou pra mesa exageradamente espaçosa apontada como se fosse a primeira vez que estava vendo. Pense, pense, pense. Olhou pra Marilia mais uma vez, e esta se sentou na cadeira de frente pra mesa. Como era giratória, ela começou a fazer a cadeira se movimentar lentamente de um lado para o outro, porém sem concluir uma volta completa.

    — Eu estava... — Maraisa respirou fundo. Marilia a olhava com atenção, quase como se se divertisse. — Eu estava procurando os papéis lá do hospital. Eu quero marcar pra você ir ver seu médico.

    Marilia franziu o cenho. Olhava diretamente para os olhos de Maraisa, como se desse jeito pudesse saber se ela estava falando a verdade ou não.

    — Meu médico? Que médico?

    — Quero uma consulta pra você, Lila — declarou Maraisa. Evitou mexer na barra da roupa, porque sabia que provavelmente Marilia estava atenta que era um sinal de nervosismo. — Fazer todos os seus exames de rotina, um check-up geral. Não vi você ainda comentando sobre isso. Além do mais, você está sentindo dor...

    Maraisa orava para todas as entidades para que aquela desculpa fosse plausível, meramente convincente. Era o máximo que sua cabeça conseguia pensar de supetão, escutando seu coração aos ouvidos.

    — Eu tô sentindo dor? — Marilia cruzou os braços.

    Maraisa suspirou, encarando qualquer canto que não a mulher na sua frente, e passou uma mão no rosto.

    — Não foi o que você disse? Tem coisa que você até evita comer.

    Marilia cruzou os braços, meneando a cabeça.

    — Já conversamos com o dr. Borges sobre isso — respondeu.

    Maraisa se lembrava desse nome em papéis médicos de Marilia, como autorização de cirurgia, quando lera alguns dias atrás.

    — Ele falou que eu não estranhasse se sentisse uma dorzinha, um incômodo, na minha cesárea, principalmente com alimentos remosos. Algumas poucas pessoas sentem pro resto da vida. Ainda mais em casos específicos...

    Se o contexto fosse outro, Maraisa teria dado um risinho; “cesárea”? Um modo bastante romantizado que parecia que Marilia tinha autorizado e escolhido a retirada da criança de dentro dela. E também, Maraisa imaginou, “casos específicos” poderia significar “sociopatas que não faziam ideia do que estavam fazendo e simplesmente cortaram sete camadas do meu corpo até chegar no bebê, causando danos irreversíveis”. Seu coração doeu um pouco com o pensamento.

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