• Capítulo 34 •

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    — Vai no seu tempo — Marilia repetiu pela segunda vez em um intervalo de minutos.

    Era manhã de Domingo e elas estavam com o carro parado na frente do lugar onde Almira estava internada. Pela manhã, Maraisa expressou seu desejo de ir ver a mãe, ansiosa e um pouco temerosa, e Marilia se ofereceu para levá-la. Mas estava tão apreensiva, porque sentia que quando visse a mãe ia ser tudo real demais.

    — Você vai entrar comigo? — questionou.

    Marilia tirou a única mão que segurava o volante e a direcionou até os cabelos. Maraisa a observava atentamente, ainda sentindo o carinho que a loira fazia em sua perna o caminho todo.

    — Amor... — começou Marilia, e Maraisa sabia pelo seu tom de voz que o que ela diria em seguida seria uma negativa.

    — Por favor — interrompeu, tentando não roer a unha. — Eu acho que... preciso de você lá comigo.

    Maraisa precisava, de fato? Ela não sabia até pronunciar o pedido em voz alta, e foi quando reparou que tinha sido bem sincera. Marilia seria a sua âncora para a realidade, para que ela não se perdesse naquela terra sensível e desconhecida que Maraisa achava da mãe agora. Ou talvez só precisasse dela ali para companhia, apenas. Porque se sentia calma com ela.

    Marilia não queria ir, claramente aflita. Mas, como Maraisa pediu, era óbvio que ela o faria. Suspirou e, então, virou pra frente pra desligar o pisca-alerta e engatou a marcha pra manobrar o carro para o estacionamento.

    — Obrigada — Maraisa sussurrou.

    Marilia apenas lhe deu um aperto breve e sutil na perna antes de desligar e sair do carro. Já dentro da clínica, Maraisa deixou que Marília falasse, revisitasse o registro de visita delas e pegasse caminho que agora era desconhecio pra Maraisa, mas que tinha certeza de que passara por aqueles corredores muitas vezes.

    — Martha, bom dia — Marilia cumprimentou assim que uma enfermeira saiu porta afora de um quarto específico. Maraisa sabia que era o da mãe, mas elas se mantinham alguns passos antes da porta ainda.

    — Bom dia! Fico feliz que tenham vindo — foi como a mulher respondeu. Maraisa só sorriu pra ela de forma educada, enquanto suas mãos se inquietavam.

    — Como ela tá? — Marilia perguntou, pra ter certeza de onde estavam pisando.

    — Bem melhor. Voltou agora há pouco de uma terapia ocupacional — Martha relatou, olhando de relance para a porta do quarto que continha uma parte vidrada para que fosse possível ver o interior.

    — Ótimo, isso é ótimo — Marilia disse com a voz um pouco diferente, e passou a mão no rosto. Foi quando Maraisa reparou que a situação inteira da mãe também mexia com Marilia. E não só do tipo “ah, fico triste, claro. Uma ótima pessoa, mãe da minha esposa e tal...”, mas mexia de verdade. — E hoje é um bom dia?

    Martha demorou uns segundos pra responder.

    — Ela está mais calma do que da última vez. Tá medicada agora, e eu recomendo vocês não forçarem nada demais e tomem cuidado ao tocar em algum assunto muito específico que possa perturbá-la pela falta de lembrança.

    "Mais calma do que da última vez"? Maraisa se perguntou o que aconteceu nessa última vez.

    Marilia acenou com a cabeça com um meio sorriso, dizendo silenciosamente que era só isso que queria saber, e agradeceu. Se virou pra Maraisa e colocou uma mão no seu ombro.

    — Vamos entrar? — indagou. Maraisa não se sentia pronta, mas ainda assim assentiu.

    O quarto em si era de certa forma grandioso. Espaçoso, tinha uma cama dossel no centro coberta por lençóis que eram a cara de sua mãe, com uma mesinha do lado e luminária. Ao invés de um branco pálido nas paredes, era um verde-água. Havia toques de Almira entre certas decorações. Parecia um quarto mesmo, dentro de uma casa, e não dentro de uma clínica de internação. Tinha bastante luz natural, com janelas e cortinas brancas. Era aconchegante, deixando óbvio que tinham investido para o conforto da mãe.

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