As conversas de meu Futuro.

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Andando já não sabia o que pesava mais,meu coração,minha consciência,ou minhas costas.

Já fazia alguns minutos de silêncio, e eu já não podia ignorar os pensamentos que me rondavam. E antes que eu pudesse decidir o que dizer,foi ela mesma que se pronunciou.

- Então,você gosta de correr ?

- Gosto,me ajuda a pensar. E você ?

- Ah,eu não sou muito boa nisso,mas eu estou tentando ser mais saudável.

Uns poucos segundos de silêncio nos acompanhou. E dessa vez,fui eu quem fiz as honras de falar.

-Então .. Faz muito tempo que você mora com meu pai?

Senti que ela deu de ombros,como se não tivesse muita importância,ou como se pensasse no que responder.

- Pouco mais de um ano. Minha tia fez questão.

- Sua tia ? - meu coração pulou do peito,e ficou meio dormente só de pensar no nosso grau de parentesco.

- É.. Sua madrasta é minha tia .. Ou quase isso. É complicado. Minha mãe é muito amiga dela e como eu passei em uma faculdade aqui,ela ofereceu a casa dela pra eu ficar.

Fiquei meio atônito,mas revendo essa história,só vejo o quanto fui relapso,ou melhor,percebo que eu era o tipo de pessoa que deixava muitos detalhes passarem em branco.
Aprenda isso de uma vez por todas,os detalhes são responsáveis pelas tragédias assim como são essenciais nas vitórias. O detalhe é aquele vento sem importância que derruba casas no meio da noite. O detalhe é aquela febre sem importância que te mata sem nenhuma consideração. Os detalhes são os responsáveis pelo fim dos meus romances favoritos.
Não os deixe passar despercebidos.

- Você faz faculdade ? - perguntei meio sem graça,meio ressentido comigo mesmo.

- É. No começo achei que seria um outro mundo. Achava que seria difícil. Mas eu me apaixonei por tudo. É tão diverso e diferente.

Senti uma paixão na voz dela. Eu gostei daquilo.

- E você estuda o que ? - perguntei mais uma vez.

Ela demorou a responder.

- Antes de responder você precisa prometer que não vai fazer julgamentos antecipados.

Eu fui sincero.

- Então eu preciso dizer que já estou julgando que seja algo muito diferente pela sua resposta.

Ela riu,me deu um tapa de advertência nas costas.

- Preciso descer. Eu quero você olhando nos meus olhos enquanto estiver rindo do que eu dedico a minha vida.

Ela desceu com um pulo dramático. Eu já suprimia uma gargalhada sufocada.

- Preparado?

- Meus Santos ! Você estuda as teorias do kamasutra? Fala logo.

- Tudo bem,tudo bem. Eu faço filosofia. E antes que você diga que é algo inútil,já vou avisando que eu amo.

- Não acho que seja inútil. Acho interessante.

Ela sorriu.

- Você acha ?

- Acho.

- E você ? O que você faz ?

Fiz uma careta porque eu não fazia muita coisa além de nada.

- Eu não ando muito produtivo..

- Explica. - ela disse curiosa,andávamos devagar,com ela se apoiando em mim,levando nosso próprio tempo.

- Bem,acho que agora é você quem vai rir. Saí da escola faz um tempo,eu não sei,as coisas ficaram feias pra mim,enfim. Eu trabalhei por uns meses em uma companhia de mudanças,mas não era muita coisa,eu gostei muito de lá,mas não é grande coisa. E agora .. Agora eu não sei.

- Acho que você está me escondendo o que você faz de verdade Noah. Sinceramente,você parece tão... Além de tudo isso. Você é diferente. De tudo.

Olhei pra ela lisonjeado,gratíssimo e surpreso. Como sempre um pouco confuso.

- Você acha ?

Ela disse sincera.

-Acho sim.

- Pensei que você não gostasse de mim.

- Sobre você,eu não gosto e nem desgosto Noah, prefiro pensar que não te conheço, e quero guardar minhas impressões para quando te conhecer. Meus julgamentos vem depois de um tempo.

Pensei sobre isso e decidi que isso bem poderia virar uma filosofia de vida. Guardar os julgamentos para mais tarde.

- Não vai contar mesmo o que você faz?-ela disse indignada.

- Eu não sei o que reponder... Sinceramente,eu não faço muita coisa.

Ela parou de repente,colocou suas mãos nos quadris,seus olhos de repente se iluminaram de uma maneira quase perversa,e com ar quase superior ela disse :

- Você quer me dizer que não tem nada que faz seu coração parar ? Nada que te faz sair das órbitas ? Nada mesmo que te tira desse mundo ?

Pensei por um instante,poucas coisas faziam meu mundo parar,mas posso te assegurar,quando ele parava,parecia uma eternidade boa.

- Eu escrevo. Mas não sei se posso dizer que é o que eu faço. Eu não ganho nada .. É só uma distração.

Ela sorriu vitoriosa.

- Então você é um desses escritores exibidos ou é mais conservador ?

- Conservador. Com certeza.

Ela me olhou de novo com seus olhos de mar,eram limpos,cheios de uma curiosidade voraz.

- Nunca mostrou para ninguém ?

Olhei para o chão,estávamos parados,e não sei por que,me veio uma melancolia digna de um domingo chuvoso.

- Só para meu pai. Ele é bom em ouvir minhas bobagens. Na verdade, ele é muito bom nisso.

Ela colocou uma de suas mãos em meu braço,e tão boa quanto podia ser,disse :

- Voce sabe que ele te ama não é ?

Fiz um sinal afirmativo com a cabeça. Já não queria falar.

- Ele te procurou como um louco,sabe,logo depois de descobrir sobre a doença. Ele dizia " eu o perdi apenas pela metade,ainda posso ter um pouco dele comigo". Acho que você foi o negócio mais bem feito da vida dele.

Continuei absorvendo suas palavras. Até a última gota. Até a última letra.

- E eu não acho que seja bobagem o que você escreve. E se forem, e daí ? São as suas bobagens,não pertencem a mais ninguém,são suas.

Já não sabia o que dizer. Maria já não me encantava por seus olhos,ela me cativava pela alma.

- Obrigado. Obrigado mesmo.

Ela sorriu com os olhos,sorriu com suas palavras. Ela era um sorriso lindo.

- Não tem de quê. Agora,será que podemos chegar em casa logo? Você disse que era perto..

Sorri.

Fomos juntos. Ela me contando sobre como foi parar naquela casa,sobre como trabalhava como babá do meu meio irmão de vez em quando,me falava de seu desejo de ir para Berlim,fazer seu próprio jornal de crônicas,ser importante. Ela me exigia meus sonhos,me expremia até ouvir uma confissão ou outra. Não aceitava um "não", não aceitava um "talvez". Maria era toda certeza. Tocava violoncelo,esperava a paz mundial.
E eu era só ouvidos. Era só encanto. Eu era só melancolia.

Eu era só vontade de ter algo pra alcançar.

Cartas de um SuicidaOnde histórias criam vida. Descubra agora