O seu Abraço.

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Estava sentado,minhas mãos abraçavam uma xícara de café. Eram quase duas horas da tarde,mas eu precisava de algo para substituir o cigarro,algo tão forte quanto.

Observava minha mãe,ela estava toda enérgica,sorria para os clientes,atendia a todos com maestria,usava aquele sorriso que antes era raro,mas que tinha virado rotina. Á medida que o local se esvaziava ela limpava as mesas,deixava o lugar com ar de novo,sorria mais um pouco. Era bonito de se ver.

Olhou para mim pedindo mais um segundo,eu disse que não tinha problema.

Peguei um guardanapo e comecei a escrever,já fazia tempo,mas pareceu natural. Logo já tinha escrito em todos os guardanapos da mesa,guardei-os com cuidado.

Tratava as minhas palavras como se fossem memórias.

Meu caderno ainda estava com a Maria,e me pertubou muito o fato de que ela poderia estar lendo coisas que eu havia escrito sobre mim. Me pertubou o fato de que ela poderia estar lendo uma parte secreta de mim,que eu faço questão de guardar,e me ocorreu que ela foi a única pessoa que eu aceitei,sem nenhuma condição especial,mostrar minha outra face. Aquele meu outro lado,um tanto obscuro,cheio de sombras,um pouco amargo.

Ela estava lendo meus pensamentos.

E não me incomodou o fato de ela estar me conhecendo,só me assustou a possibilidade de ela perceber que eu nunca fui normal,ou convencional.

Peguei meu celular,me enchi de gratidão pelo Wall por ter guardado,pensei em ligar. Talvez ela estivesse em casa. Talvez Maria quisesse conversar.

Mas meus olhos viram outra pessoa na tela. Seu sorriso congelado em uma foto que parecia de milhões de anos. Seus cachos caíam leves por seus ombros,seus olhos me olhavam com carinho,e antes mesmo de me decidir. De apertar o botão de chamada. De me atirar em um furacão de emoções não resolvidas,minha mãe me chama.

- Noah,me desculpe,hoje está movimentado aqui. - ela disse sorrindo,satisfeita.

- Tudo bem,legal o lugar. Eu gostei.

- Gostou mesmo ? - ela me olhou divertida - Eu também amei o lugar. É um ótimo emprego.

Ela era só alegria. Cheia de satisfação.

- Dá pra ver ! Sabe mãe,eu acho que estamos nos saindo bem.

Ela respirou fundo,como se estivesse saboreando a vitória,aquele gostinho de superação. Ela segurou minha mão com carinho,seus olhos se emocionando.

- Parece que sim filho.

A gente ficou aproveitando o silêncio por alguns segundos. Era o nosso jeito de comemorar,de dizer que tudo estava bem.

Eu falei do meu pai,ela não disse nada mais do que "Espero que ele melhore",e eu mesmo não esperava tanto. Falei sobre a casa,sobre Mike,sobre Ana,sobre Wallace e seu namorado,e também falei sobre Mila. Não mencionei a gravidez. Mas mencionei o fato de estar me sentindo meio doente,com o peito dolorido.

Como se um pedacinho estivesse faltando.

Ela sorriu,como se estivesse se lembrando de algo.

- Ah filho,isso não é amor.

Ela sorria ainda mais. Como se fosse uma especialista,e talvez fosse mesmo.

- Então o que é ? Porque eu sei que o que eu sentia não era amor,não era tão forte,mas então,se não era amor o que era ? Por que eu me sinto assim ? Tão... vazio. Tão cheio de nada.

- Sabe,uns dias atrás estava conversando com Ana sobre isso,eu estava me sentindo um pouco só,de repente eu não tinha ninguém. E não me olhe assim filho, você vai ser sempre minha pessoa favorita,mas ás vezes eu sinto falta de alguém da minha idade,uma amiga. E sabe o que Ana me disse?

- O que ?

- Ela disse que enquanto eu não for minha companhia favorita,minha melhor amiga,eu nunca vou achar alguém. E sabe Noah... Ela está certa. Algumas vezes a gente só precisa se amar mais um pouco. Quem é que pode te amar mais do que você mesmo ?

Pensei sobre isso. E me dei conta de que eu deveria me apaixonar.

Mas desta vez,iria me apaixonar por mim mesmo.

Decidi que essa seria minha melhor história de amor. Aquela em que eu me amava perdidamente.

Eu só não sabia como.

Como se apaixonar ?

- Eu tenho uma novidade.

Minha mãe disse com ar de mistério.

- Novidade ?

Ela fez suspense,me pediu pra adivinhar,mas eu não fazia ideia.

- Eu vou me mudar.

Me surpreendi,não que eu achasse que ela ficaria naquela casa para sempre.

Mas não pensei que a gente a deixaria tão rápido.

- Sério ? Uau ! Pra onde ? Quando voce vai ?

- Semana que vem,na verdade já esta tudo encaixotado.

Me aliviei. Torcia para que ela jogasse tudo fora. Deixasse o passado onde ele estava.

- Noah,se você quiser pode ir lá quando quiser . Se tiver alguma coisa que queira levar..

Ela disse isso com aquele olhar peculiar de mãe,como se soubesse o que eu estava pensando. E talvez soubesse mesmo.

- Não. Pode jogar tudo fora.

Fui seco. Quase sem querer. Quase. Por que parte de mim quis ser boçal.

Eu tenho essa parte de mim.

Que insiste em se rebelar. Insiste em me queimar de vez em quando.

E em vezes como naquele momento. Essa parte se manifestava poderosa,tentando me consumir.

Era uma guerra civil dentro de mim.

- Tudo bem Noah. Não tem problema. A gente dá um jeito.

A gente se abraçou.

Me despedi.

E aquelas chamas da discórdia não ardiam mais.

Ficaram calmas.

Nada se atiçava dentro de mim quando eu estava no abraço da minha mãe.

Cartas de um SuicidaOnde histórias criam vida. Descubra agora