O verdadeiro Wall

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Acordei com o som insistente do despertador,olhei para o relógio e eram 6:20, naquele momento pensei seriamente em voltar pra cama e continuar a dormir, mas em vez disso levantei com o corpo ainda dolorido tomei uma ducha rápida,olhei para o espelho e eu quase podia ver um garoto normal,com algumas espinhas espalhadas pela testa, se preparando pra escola e seguindo com a vida, mas então olhei melhor, e ainda era eu . Escovei os meus dentes,lavei meu rosto mais uma vez , voltei para o quarto e coloquei uma calça jeans meio surrada e uma blusa própria para o trabalho duro,olhei para os meus tênis nem um pouco profissionais,e me dei conta de que eu estava tão inadequado quanto possível,pelo menos para o meu primeiro dia de trabalho,olhei para o relógio que agora marcava 6:32, eu ainda tinha tempo.

Quando cheguei a cozinha minha mãe estava sentada tomando café, ela parecia cansada mas resolvi fingir que eu não tinha percebido. Quando ela me viu me deu um sorriso meio frouxo, como se me desejasse bom dia mesmo sabendo que o dia dela mesmo não seria bom. Eu devolvi o sorriso um pouco mais animado do que planejava, mas não consegui evitar, eu estava nervoso e ansioso para o que o dia reservava, a verdade é que eu esperava um dia bom, assim como ela havia me desejado.

Minha mãe percebeu que eu estava diferente, ela se endireitou na cadeira, colocou uma mecha de seu cabelo atras da orelha, e com um meio sorriso perguntou :

- O que aconteceu ?

E eu que já estava correndo contra o tempo para não chegar atrasado respondi rápido :

- Nada,só algumas coisas, não é nada demais mãe.

- Eu tenho que me preocupar?

Parei por um instante,decidi contar sobre o meu trabalho temporário, primeiro porque não queria que ela ficasse preocupada, e também porque queria ver o orgulho em seus olhos. Então eu disse:

- Eu acho que estou indo para o meu primeiro dia de trabalho... Não sei ao certo, é complicado de explicar como isso aconteceu, mas o trabalho é bom,é uma empresa pequena de mudanças,o homem resolveu me dar uma chance... Mãe esta tudo bem?

Seus olhos estavam marejados,ela se levantou e me deu um abraço bem forte, me deu um abraço de mãe,ela riu entre suas lágrimas e se distanciou um pouco apenas pra dizer:

- Eu tenho muito orgulho de você meu filho.

Eu queria ter dito alguma coisa mas não consegui,minha mãe sempre me pegava de surpresa,ela era assim.

Quando estava saindo não me incomodei em me despedir, e nem em dizer que horas eu voltava,eu sabia que não a encontraria de qualquer jeito.

Olhei no relógio, eram 6:45, comecei a suar,não queria chegar atrasado,ou dar qualquer motivo para deixar Mike desapontado outra vez. Apertei o passo e pra minha sorte cheguei a tempo de pegar o ônibus. Estava vazio,mas eu resolvi ficar em pé,eu me segurava na barra de ferro a cada solavanco,e as vezes me desequilibrava,eu sorri mais de uma vez naquela viajem. Fiz uma anotação mental de a partir de agora sempre andar de ônibus em pé. Era estupidez,eu sei,mas me fazia rir, e era uma sensação boa.

Quando cheguei, estava apenas 5 minutos atrasado,eu olhei para aquela casinha amarela que era na verdade um lugar de negócios, respirei fundo e entrei.

A entrada não tinha nada de espetacular, mas era aconchegante,tinha dois sofás e uma poltrona,uma televisão ligada no jornal,e alguns vasos de planta. Quando estava começando a entender a temática do lugar,uma garota um pouco menor que eu com os quadris largos e olhos bonitos apareceu na minha frente, ela dava um sorriso meio medonho, com a boca vermelha e os dois dentes sujos de batom. Seria engraçado se ela não estivesse me atendendo tão bem,o nome da secretaria era Mila,e quando eu disse meu nome,ela rapidamente me guiou ate os fundos, onde haviam três caminhões estacionados,apontou para o caminhão do meio,eu conseguia ver Mike falando calmamente com um menino mais ou menos da minha idade,mas ele era bem mais alto,e tinha uns ombros bem largos tambem. Assim que Mila percebeu que seu trabalho estava feito ia se retirando,então me lembrei que não podia deixa-lá ser gentil e sorrir pra todo mundo com os dentes sujos.

- Ei Srta. Mila,hã,tem uma coisa no seu dente,acho que é batom.

Ela mais que depressa limpou com o dedo,sorriu pra mim de novo, seus dentes estavam bem melhor,fiz um sinal afirmativo com meus polegares. Ela me agradeceu, e pude ver que ela realmente estava agradecida pela minha ajuda,depois voltou ao trabalho, na recepção. Então ouvi Mike gargalhar de longe,ele acenava pra mim pedindo que eu me aproximasse,eu fui meio receoso,com medo do que poderia vir.

- Aí esta ! O garoto que não tem medo do trabalho ! Ha ! Pensei que não viria mais,hoje nós temos uma mudança grande. Casa de dois andares, e eles querem levar tudo,ate os armários da cozinha ! Hoje temos trabalho!

Mike foi pegar algo nos fundos sem perceber que não havia me apresentado ao outro garoto, o possível verdadeiro Wall,pensei por um segundo que teríamos alguns minutos de desconforto,mas depois de me olhar por um instante, ele deu de ombros e me ofereceu sua mão.

- Oi , eu sou Wallace,mas pode me chamar de Wall, e eu acho que você deve ser o Noah,que confusão heim cara.

Eu dei um sorriso meio sem graça,quando apertamos as mãos pude ver que ele era decidido,minha mãe sempre me diz que um aperto de mão revela muito sobre uma pessoa,eu não sei o que ele poderia pensar do meu aperto de mão,minhas mãos estavam meio pegajosas por causa do suor, e eu não fui tão firme como ele. Mesmo assim ele me devolveu um sorriso amigável,eu não sei ao certo o que eu fiz. Só o que eu podia fazer era torcer para Mike aparecer e trazer logo o trabalho.

- Você não é muito de falar né ?- Wall tinha me pegado de surpresa com aquela pergunta,de modo que só balancei a cabeça afirmativamente- Tudo bem cara, ter alguém que não seja ele ja é alguma coisa.

Dava pra ver que Wall gostava de Mike, mas era de um jeito meio debochado, achei graça naquilo, Wall mesmo não querendo ficar ao lado do tio ainda assim o respeitava.
Mike chegou como um furacão,logo começou a nos dar ordens, eu e Wall estávamos encarregados de separar as ferramentas, eu não sabia nem a metade dos nomes daquelas coisas, e muito menos como usa-lás, logo decidimos que seria melhor eu coloca-las no caminhão enquanto Wall as separava,quando terminamos Wall disse:

- Ei, Mike terminamos aqui.

Mike estava perto, mas parecia não ouvir, ele continuava fazendo o que estava fazendo sem nem sequer nos olhar.
Wall revirando os olhos disse:

- Eu não acredito,você ta falando serio mesmo?

Mike nem se virou.

- Mike! Tio! Olha eu não vou te chamar daquele jeito!

Mike o ignorava com talento ,chegava a ser impressionante.

- Quer saber ? Ok . Sr. Grande Mike,terminamos aqui .

Só então Mike se virou, e com um sorriso de satisfação exclamou:

- Ótimo! Me dêem só 5 minutos,que ja estamos indo.

Enquanto íamos pra parte detrás do caminhão podia ouvir Wall resmungar, e então quando sentamos ele disse:

- Esse cara é louco! Só de pensar que vou ficar aqui o resto do ano... Você tem algo a dizer?

Quando vi que ele se dirigia a mim,pensei um pouco antes de falar, então disse:

- Não é tão ruim.

- Sei.. Então porque você esta aqui? Porque a grana não é boa.

- Não é pela grana,é só que pareceu bom, então eu vim.

- Hmm.. Noah você é um cara meio esquisito sabia?

Aquilo não me afetou nem um pouco, acho que pela primeira vez alguém conseguiu dizer isso de uma maneira positiva,quase que verdadeira,e o que eu podia fazer? Eu era esquisito, talvez ser esquisito aqui seja uma coisa boa.
E tudo o que eu respondi foi: - É.. Eu sei.

Ele riu da minha sinceridade, e eu ri daquela situação,talvez Wall pudesse ser um colega. Ou quem sabe um amigo.

Cartas de um SuicidaOnde histórias criam vida. Descubra agora