Se Chegaremos a Ser.

1.5K 138 28
                                    

O meu dia começou frio,a madrugada me ajudava a consumir o meu último cigarro rapidamente,foi bom sentir a sensação de trazer o fogo para dentro de meus pulmões e libertá-lo em forma de fumaça. E ao meu lado Mila dormia,eu gostava de vê-la dormir. Na minha cama,sonolenta,ela estava totalmente ao meu alcance. Acariciava suas costas nuas,e imaginava se ela seria meu único amor. Sentia seus cachos e pensava se eu seria o único a senti-los tão intimamente. Olhei seu rosto mergulhado em um sono profundo e desejei que eu pudesse ser o único a entender seus olhos.
Freei meus pensamentos,pensei comigo :" ela está na sua cama,enrolada em seus lençóis,esperando que você seja aquele em que ela verá quando acordar. Ela está entregue."
E repeti este mesmo pensamento várias vezes enquanto olhava para ela.
" seremos"
Foi o que pensei pela última vez quando me forcei a dormir novamente.
" seremos" .

Abri meus olhos,o relógio marcava 11 horas da manhã,o chuveiro da minha suíte estava ligado.
Me levantei letárgico,querendo mais um cigarro,mas não encontrei nada em meus bolsos.
O chuveiro parou.
Coloquei minha calça,já começava a arrumar minha cama. Dobrei os lençóis,os coloquei na cesta de roupas sujas,arrumei os travesseiros,deixei as coisas em ordem.
E então ela apareceu,mais serena do que de costume,sorriu,e seus olhos cor de céu de verão,acompanharam seus lábios em um "bom dia",tudo se harmonizou.

- Bom dia - eu respondi.

- Eu tenho um dia de folga da faculdade e como não tenho nada de novo,queria ler o que você anda escrevendo.

Maria parecia tão letárgica quanto eu,seus lábios sorriam preguiçosos,e seus cabelos curtos denunciavam alguns nós. Mas não mencionei nada disso quando disse:

- É que eu não tenho cópias... E.. Não está pronto ainda então ..

Ela revirou os olhos como de costume.

- Então faça uma cópia pra mim ! Eu não tenho nada pra ler.. E ando sem grana. - ela me deu um sorriso lindo como golpe de misericórdia.

E eu cedi.

- Tudo bem. Eu vou pegar.

Seu sorriso se acentuou ainda mais,provando sua vitória sobre mim.

Mila saía do banheiro já pronta. Ela usava maquiagem forte,marcando seus olhos e deixando sua boca em evidência com um batom vermelho.

- Aonde você vai ? - perguntei sem saber se queria a resposta.

- Vou resolver os últimos detalhes da viajem ! Eu estou tão nervosa ! Mal posso ...

Ela interrompeu sua fala quando viu Maria,ela correu seus olhos por toda a sua extensão. O que não pareceu nada intimidador para Maria,que sem nenhum desprendimento disse:

- Oi,já nos conhecemos,eu sou Maria.. A gente se viu no primeiro dia que você veio.

- Ah... A empregada... Tudo bem,eu e o Noah já estamos saindo para você poder trabalhar.. Não se esqueça da roupa suja no cesto e de limpar o ralo do chuveiro,está entupido.

Eu não sei,talvez seja porque já gostava de Maria,tinha esse carinho bonito por ela,essa admiração constante por tudo que ela era e seria.
Talvez seja por isso.
Eu não gostei de como Mila havia se referido á ela. Não pelo fato de Maria não ser uma empregada,mas pelo fato de que se ela fosse,não era assim que eu esperava que Mila a tratasse.
Eu esperava educação,menos vaidade,nenhum descaso.

- Ela não é empregada. Ela mora aqui.- disse expressando meu incômodo.

- Ah.. Tudo bem, eu não sabia,me enganei.

Maria não disse nada,a tratou com descaso silencioso,não a culpava,ela se dirigiu a mim.

- Está tudo bem,só vim pegar uma coisa emprestada.

Entreguei para ela um arranjo de folhas,um caderninho que eu usava para escrever e um bloco com pequenas anotações.

Ela saiu.

E ficamos a sós. Mila e eu.

- Você precisa me explicar isso Noah ! - Mila disse olhando fixamente para mim.

- Explicar o que ? Somos amigos.

- Então é assim. Vocês moram juntos,ela vem ao seu quarto pegar coisas emprestadas e eu não mereço explicações ?

- A gente não mora junto porque quer. E você sabe muito bem porque eu moro aqui. E se ela quiser,pode pegar emprestado tudo aqui,não faz diferença. Não pra mim. Mas se isso te incomoda tanto,então acho que o problema está com você.

- COMIGO ? - ela se alterou.- Por favor Noah, é você que fica o dia inteiro sem fazer nada, sem um objetivo se quer,desistiu da escola,de tudo ! E agora vem com essa história maluca de escrever ! O que você acha que eu tenho que esperar ? O QUE ? Porque se você não tem um compromisso com você mesmo,quem dirá comigo !

As fagulhas se acenderam dessa vez de um modo diferente,estranho. Não queria gritar. As fagulhas me anestesiaram.

- Se acha que eu não tenho compromisso com você então não sei o que está fazendo aqui.

Ela me olhou surpresa.

- Esta falando sério ?

- Eu te apoiei em tudo. Quando você disse que iria pra Paris,eu disse "vai fundo",quando disse que precisava de mais tempo pra trabalhar eu disse "tudo bem". Mas quando eu precisei de você porque meu pai estava doente,você estava ocupada em uma sessão de fotos,e quando eu decidi que queria investir em algo que eu gosto você disse que era perda de tempo. Então eu é que te pergunto se você estava falando sério em todas as vezes que você disse que estávamos juntos pra valer.

Ela ouviu aquilo tudo pensativa,não olhava pra mim.

- Eu... Sinto muito Noah. As coisas não estão como imaginamos,mas... Elas nunca são como imaginamos. Eu só.. Eu sinto que eu nunca vou achar ninguém como você. Nem se passasse uma vida procurando.

Ela chorou,não dramaticamente,mas derramou algumas lágrimas que me racharam.

- Acho melhor você ir agora. - eu disse sem olhar para ela.

Ela saiu chorando.

E enquanto ela saía eu me perguntava.

" seremos ? "

Cartas de um SuicidaOnde histórias criam vida. Descubra agora