Capítulo 26

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Não havia muito o que fazer além de lamentar-se mais e mais. Tantos pensamentos melancólicos, eventualmente pelo álcool ou possivelmente sobrepondo-se a ele. Horas se foram e eu me fui com elas à qualquer lugar que fizesse a dor ser meramente suportável. Perdida em pensamentos, escorada na parede, sentada à uma mesa e olhando para uma garrafa de Vodka meio vazia, os otimistas dirão que está meio cheia, idiotas. São ensurdecedoras as vozes que vagam pela minha mente, dizem constantemente o quão idiota eu sou, sem ao menos saber o que fiz de errado dessa vez, o que houve que a espantaria.

Passei por infinitas ruas, bairros distintos e todos os estabelecimentos que vi, inclusive o bar em que comprei essa garrafa meio vazia. Mesmo que tarde da noite, as luzes se recusam a apagar. E de tantos estabelecimentos conhecidos por mim, todos capazes de me distrair, nem que fosse um pouco, mas aqui estou eu. O som das bandas aleatórias e desconhecidas, o estilo rústico e alternativo, estruturas clássicas britânicas, luzes alaranjadas, mas neste momento não tinha nenhum freguês além de mim. Sentada no mesmo lugar que da primeira vez que vim aqui.

Beco do Hambúrguer: Onde seu paraíso começa, e onde ele morre.

Deveria ser seu slogan, afinal.

A bebida está me tapando os olhos e agitando vultos, em breves segundos chego a ouvir as vozes dos gêmeos cantando os versos das mesmas músicas.

- Sinto muito, moça, você precisa retirar-se agora.

Um rapaz moreno e alto aproximou-se da mesa, o visei miseravelmente, minha cabeça girava demais para tentar parecer estar bem.

- Será que... - soluço. - Eu poderia ficar mais um pouco?

Quase deixei rolarem mais algumas lágrimas. Sentou-se ao lado oposto a mim, recolheu os copos sobre a mesa e organizou simetricamente os menus. Infelizmente não conseguia enxergar os detalhes do seu rosto pela visão turva. Parecia ser forte e a pele tinha uma tonalidade diferente, deveria ser de alguma origem distinta.

- Se me der três bons motivos, eu a deixo ficar mais um pouco. - pareceu sorrir.

Tentei buscar as palavras, pisquei severas vezes sentindo os olhos pesarem, esta seria a hora de estar consciente.

- Uhm... Primeiramente, estou bêbada... - estiquei o dedo indicador. - Ainda não pedi nada daqui... - adicionei o dedo médio. - E tive um dia horrível. - por fim o anelar. Três motivos contados nos dedos que pareciam se multiplicar diante de mim.

Assentiu lentamente.

- Os dois primeiros motivos são os que me levam justamente a querer lhe expulsar. - falou com bom humor. - Quanto ao terceiro motivo, já tive muitos dias assim. O que lhe trouxe aqui? Geralmente não recebemos bêbados deprimidos.

- Quer mesmo saber?

- Perguntei, certo?

Torci o nariz.

- Meus filhos gostam de vir aqui, adoram esse lugar. - dei um sorriso.

Pareceu torcer o rosto.

- Deve ter se divorciado. Perdeu a guarda?

Quem dera ter me divorciado, meu caro.

- Algo muito similar. - falei.

O equívoco deixei passar, eram circunstâncias que levavam ao mesmo sofrimento. Outra, seria mais fácil aceitar seu ponto de vista de consequências semelhantes do que contar ao bodejares a minha história errônea, pareceria história de bêbado se fosse contar e ninguém mais precisa saber dos meus falhos caminhos e dos meus sentimentos mesquinhos que mal vagamente posso imaginar.

De Repente Nós (Girafa/G!P)Onde histórias criam vida. Descubra agora