Capítulo- 19

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Sentia-se entorpecida, anestesiada, flutuando entre as nuvens. Naquele momento Alexa estava tendo uma parada cardíaca.

Viu sua mãe entrar no quarto e dirigir-se a ela com uma garrafa de bebida na mão. Divisava num relance a sua face inchada, roxa, cabelos despenteados, olhos sem órbitas. Enxergava-lhe o semblante cansado, descarnado, a mostrar os ossos brancos. As mãos apodrecidas, de cartilagens soltas, com as unhas a desprenderem-se dos dedos, erguiam-se à procura das suas. Os lábios roxos, comidos pelos vermes foram se abrindo numa risada macabra, tenebrosa e fúnebre, chamando-a para si.

E Alexa cheia de pavor, debatia-se para escapar daquelas mãos úmidas e pegajosas que a puxavam para a escuridão.

***

Acordou lentamente com lágrimas escorrendo pelo rosto. Estava em outro quarto, deitada numa cama. O vaso de soro pendia acima da sua cabeça e esparadrapos seguravam a agulha fina enfiada na sua veia.

Queria chorar alto, mas estava fraca, não tinha forças. Também quis se levantar, mas seu corpo não lhe obedecia. Permaneceu deitada, estendida, olhar parado, vendo o teto branco.

A mente desordenada aos poucos foi voltando ao normal. Também voltou o desprezo e o ódio pelo homem que a mantinha naquelas circunstâncias.

Queria fugir, encontrar o filho, só pensava nisso. Mas seu momento de consciência foi passageiro; os olhos fecharam, a mente apagou.

***

Alexa abriu os olhos. Imediatamente se lembrou de tudo.

— Você quase se foi. Mas consegui trazê-la de volta.

Paolo estava de pé, com as mãos dentro dos bolsos do jaleco e seu tom de voz demonstrava frieza, indiferença. Falar de morte ou de festa para ele era a mesma coisa. Aquele homem não se comovia com nada.

Ela se sentou na cama, observando-o atentamente. A cada momento que passava Paolo deixava ainda mais claro qual era a posição dela: estava à mercê dele, como um brinquedo que um dia foi novo, mas que em breve se quebraria e seria descartado, jogado fora. Eis o resumo da sua vida nas mãos daquele homem.

Paolo pegou na mesinha de cabeceira um copo d'água e dois comprimidos e se curvou sobre ela. Alexa encolheu-se.

— Não tenha medo — ele falou calmamente. — Ainda preciso de você: viva.

Ela engoliu os comprimidos em silêncio. Estava sem forças para brigar. Resignou-se, deixando sua vida entregue ao homem que tanto desprezava.

Olhou para a janela fechada, cortinas cerradas. Não sabia se era dia ou noite. O tempo passava, as coisas lá fora estavam acontecendo e a vida dela, estagnada. Mas necessitava desesperadamente manter sua sanidade. Não podia enlouquecer. Precisava encontrar o filho.

***

Despertou um pouco mais disposta e recostou-se no espaldar da cama. Paolo apareceu com uma cadeira de rodas e disse no cinismo costumeiro:

— Você parece bem melhor. Merece um dia de folga.

Em seguida a ajudou a se sentar e a conduziu para fora do quarto. Ela sabia que estavam no segundo andar; conhecia bem aquela casa. Enquanto desciam a rampa Paolo cantarolava e ela odiava cada vez mais aquele homem que tinha a alma fétida, cheia de maldades.

Só depois que chegou à varanda percebeu que estava chovendo torrencialmente. O vento uivava sem parar e o mar estava agitado, com as águas pulando a uma altura assustadora, sem tréguas. Não sabia dizer ao certo que horas seriam porque nuvens escuras cobriam o céu totalmente. Talvez passasse um pouco do meio-dia.

A varanda era protegida por vidros de alto a baixo e havia uma mesa posta na lateral que ficava em frente ao mar. Ali sempre foi o local das refeições. Nada havia mudado.

Sentaram-se à mesa, ele numa ponta, ela na outra.

Pela primeira vez desde que chegara ali Alexa sentiu fome, muita fome. Deixou os talheres de lado e começou a comer segurando os alimentos com as mãos, de maneira voraz e selvagem, mas sem deixar de observá-lo. E ele ria, um riso malevolente, sarcástico. Estava alimentando-a, deixando-a mais forte para depois matá-la, como na história de João e Maria.

Assim que terminou de comer, Alexa limpou as mãos no guardanapo e ficou olhando o temporal. A chuva batia forte nos vidros, como chicotadas.

— Como eu disse antes, hoje é o seu dia de folga. Aproveite — Paolo tinha um sorriso diabólico nos lábios.

Ela não se moveu. Permaneceu sentada, olhando para ele.

— Vá logo antes que eu me arrependa! — ele ordenou.

Ela se levantou da mesa, confusa. O que ele pretendia? Testar sua imunidade? Ela deveria sair correndo na chuva no meio daquele temporal violento? Se descesse os degraus e pisasse na areia seria carregada pela ventania furiosa como uma folha quando cai do galho e desaparece no ar.

Naquele momento um relâmpago estalou. Ela pôs as duas mãos nos ouvidos e se abaixou ao lado da mesa. Desde criança tinha medo de tempestades e Paolo sabia, por isso estava atormentando-a, testando seus limites com armadilhas sádicas de torturas mentais.

— Bom, curta o seu dia. Vou voltar para a minha pesquisa.

Dizendo isso Paolo levantou-se da mesa, atravessou a porta de vidro e desapareceu dentro da enorme sala de estar.

Outro relâmpago riscou o céu seguido pelo estrondo de um trovão ensurdecedor. Ela permaneceu uma eternidade abaixada com os olhos fechados. E de repente começou a refletir sobre o que Paolo estava fazendo com ela. Por que ter tanto medo do temporal se estava enfrentando um perigo bem maior? Se a tempestade matava alguém não fazia por mal, ela simplesmente existia e cumpria o seu papel na natureza, enquanto homens como Paolo matavam por prazer, apenas para satisfazer o seu ego. A tempestade não era sua inimiga, ele, sim.

Contou de um até dez, respirou fundo e se levantou olhando direto para o mar onde a tempestade se mostrava mais violenta. Forçou-se a ficar olhando. Era bem melhor estar em alto mar do que no quarto recebendo drogas venenosas.

Naquele momento pensou ter visto uma luz piscando bem distante, no meio do mar. Não tinha certeza, a força da chuva deixava as imagens turvas e confusas. Arregalou os olhos observando atentamente. A luz piscou três vezes seguida, deu uma pausa e piscou mais três vezes.

Seria o barco de algum pescador? Estaria perto do píer o suficiente para resgatá-la? E ela conseguiria chegar até lá? Ainda se sentia fraca, sem forças. Se tentasse e falhasse certamente seria executada, mas não tinha nada a perder, porque já estava marcada para morrer mesmo.

Chegou à porta da frente e olhou para dentro da casa. Tudo estava no mais completo silêncio e também não havia sinal dos seguranças por perto. Quem ousaria ir do lado de fora da casa com uma tempestade daquela? Só alguém ameaçado de morte, como ela.

Respirou fundo e caminhou em direção aos degraus. Puxou a porta de vidro para o lado e recebeu no rosto uma rajada de vento forte acompanhada pela chuva que a encharcou rapidamente. Segurou forte no corrimão e desceu os degraus lutando contra o vento, tentando manter os pés no chão, evitando ser atiçada para longe.

Preparou-se para correr até o píer quando sentiu braços fortes agarrando-a por trás e uma mão tapando a sua boca. 

Olá, leitor.

A pergunta que não quer calar é:

Quem foi que chegou por trás de Alexa?

Por favor, não esqueça de VOTAR para ajudar esta autora que vos fala.


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