A noite lá fora estava fria e silenciosa. A velha senhora dentro do pequeno quarto de um hotel simples e discreto permaneceu alguns minutos diante da janela de vidro olhando para fora, em seguida fechou as cortinas e foi até o guarda-roupa.
Enquanto procurava um casaco, seus pensamentos rodopiavam; pensava nos motivos que a tinham levado até ali. Esperou demais. Devia ter evitado o que aconteceu. Também era culpada por ter sido cúmplice, por não ter feito nada. Havia alimentado um monstro, criado uma serpente e cobras são traiçoeiras, não se pode confiar nelas. Tentou ignorar quando as coisas começaram a sair do controle e esse foi o seu maior erro. Agora vivia um inferno interior, diariamente atormentada, por saber precisamente aonde aquilo tudo a levaria.
Quando se deu conta da grande insanidade em que estava metida tentou evitar que as coisas fossem adiante. No momento em que soube que a polícia havia eliminado um sequestrador de crianças e que os objetos das vítimas estavam na delegacia, ela foi procurar o delegado com a desculpa de dar queixa do desaparecimento de um cachorro, que na verdade nem existia. Quando teve oportunidade, entrou na sala onde estavam os objetos das crianças desaparecidas e colocou junto o brinquedo do menino. Dentro do olho do urso de pelúcia ela deixou o endereço onde a criança estava, mas parece que a mãe do menino não entendeu a pista deixada por ela. E por não aguentar mais aquela situação, aproveitou a febre do menino em um momento que ficaram sozinhos e o deixou no hospital com o número do telefone da mãe amarrado no bracinho dele.
Encontrou no guarda-roupa um casaco azul-marinho. Enquanto o vestia, deu-se conta do nervosismo que a dominava e se sentou na beira da cama ao lado da maleta marrom que ela abriu com mãos trêmulas verificando mais uma vez os objetos que serviriam como provas.
Bateram à porta e o empregado do hotel colocou na mesa a bandeja com a sopa e uma fatia de bolo de chocolate com chantilly. Era incrível como o chocolate a acalmava e naquele momento era do que mais estava precisando.
Assim que ficou sozinha engoliu a sopa rapidamente e comeu o bolo com voracidade. Tinha planejado dormir cedo e entregar as provas no dia seguinte, mas mudou de ideia. Queria evitar ser surpreendida, pois sabia o que poderia acontecer caso permanecesse ali.
Expectante, inquieta, ansiosa, a velha senhora saiu do pequeno hotel apoiando-se numa bengala e segurando a maleta marrom. Às 20h35 entrou no carro e meia hora depois estacionou ao longo do meio-fio debaixo de uma árvore folhuda, deixando o veículo um pouco camuflado bem próximo a uma banca de jornais e uma barraca de lanches.
Saltou e caminhou pela calçada a passos lentos, apoiando-se na bengala, desconfiada, olhando para os lados. Não gostava de sair com telefone na bolsa, por isso havia ficado no quarto do hotel até aquele momento, esperando por uma ligação que não aconteceu.
Virou na esquina e caminhou por uma rua silenciosa. Lamentava não conseguir andar mais rápido, mas desde que caiu no banheiro e fraturou o fêmur vivia dependendo da bengala para se locomover.
Pensava na decisão que havia tomado de contar tudo à polícia. Falar a verdade e assumir a sua parcela de culpa era o melhor que tinha a fazer, pois havia entrado em um labirinto mortal e a única forma de sair seria revelando os fatos. Fugir seria uma ótima ideia, mas não colocaria um fim naquela insanidade.
E agora que decidiu o que fazer não podia parar. Já bastava daquilo tudo. Haveria um confronto sim, mas nada que ela não pudesse resolver. Faria afinal, o que tinha de ser feito.
Pensou ter ouvido um barulho e seu corpo enrijeceu. Em pânico, olhos esbugalhados, corpo trêmulo, respiração ofegante, parou e olhou em volta prestando atenção nos ruídos. Não era nada. Tentou ignorar a dor no quadril machucado e voltou a caminhar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Cobaia 52
Mystery / ThrillerEla casa com um cientista bilionário, louco e perverso, herdeiro de uma empresa farmacêutica multinacional. É mantida prisioneira numa ilha durante quatro anos, usada como cobaia em um experimento científico e tem a sua saúde física e mental desesta...