Capítulo 4: Nos jornais

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Narrado por Celina

A varanda de Valentim continua com o mesmo ar acolhedor.

Me espreguiço no chão do espaço, totalmente exposta ao sol enquanto o rei lê algumas cartas. Emily está no trabalho a essa hora. Ela foi promovida a Editora Chef do jornal de Lumis, o que significa que passa muito mais tempo em seu escritório do que em campo

-Eles nem tentam! – Ouço o rei praguejar atrás de mim, irritado- Eu realmente estou tentando construir uma relação saudável entre os reinos, e eles nem se esforçam para fazer isso funcionar!

Ele usa a mesa como impulso para empurrar a cadeira de rodinhas para trás, depois tira os óculos de leitura e coloca as mãos no rosto, abafando um grito.

-Já esperávamos essa reação- Comento– Pelo menos a República das fadas ainda está do nosso lado.

-Isso não é o suficiente! Precisamos de pelo menos 3 votos para aprovarmos o acordo!

Depois que assinou a lei que permitia a vinda das bruxas para Virdes e o derrubar da barreira de Tenébris, Valentim tem tentado convencer os outros reinos a fazerem o mesmo, mas a discussão não está sendo fácil.

-Você não pode. Bom. Tentar falar com a Yara?-Sugiro, arrancando algumas risadas irônicas de Valentim.

-Se ela respondesse alguma das minhas cartas, eu até poderia, mas ela está me ignorando desde que terminamos.  Como aqueles jogos de castigo do silencio que as crianças fazem quando estão bravas umas com as outras!

-Tenho certeza de que ela tem um alvo de dardos com o seu rosto pendurado. Ou talvez um boneco seu em tamanho real que ela usa para afiar facas!

-Muito engraçado, Celina!

Ele volta a mexer nas cartas. Parece perdido. De certa forma, isso é um pouco minha culpa.

-Onde está a Val? – Tento mudar de assunto para amenizar o clima

-Ela precisava ir visitar a Ágatha, acho. Precisava resolver algumas coisas sobre sua iniciação. Por quê?

-Achei que ela iria estar aqui. Vocês parecem beeeeem próximos ultimamente. – Rio com sarcasmo

Ele revira os olhos e finalmente sai de trás da escrivaninha, desistindo das cartas. Ele se senta no espaço entre o quarto e a varanda.

-De fato, estamos próximos. Ela parecia meio receosa no começo com a nossa relação, mas eu acho que agora as coisas estão tipo...Fluindo

-Isso é bom.

-Pode apostar que sim.- Ele olha para o horizonte como um adolescente apaixonado. -E você? Nervosa para a iniciação?

-Você nem imagina...

Ele se aproxima um pouco mais, como quisesse uma resposta mais detalhada. Suspiro.

-É que tipo....Eu estou com medo. De.... Não conseguir

-Por que?

-Porque o meu sangue não é cem por cento bruxo, Valentim. O meu pai era um elfo. E se isso interferir nos resultados? E se eu não conseguir produzir magia nenhuma no final das contas?!

-Tenho quase certeza de que já houve bruxos mestiços antes. Eu posso procurar para você se estiver interessada. Existem pilhas de arquivos como aquele que eu te dei nos porões.

-Você faria isso?

-Obvio! Você é a minha melhor amiga!

Ele sorri, e logo retribuo o gesto.

Um barulho na porta atrapalha nossa conversa, e Emily entra ofegante no quarto.

-VALENTIM!

Ela desaba de joelhos no chão tentando recuperar o fôlego e estende o braço para ele, com um rolo de papel amarelado em mãos.

-Cacete, Emily, o que houve?!

-Você precisa....Ler....Isso...

Ele se agacha e pega o papel de suas mãos. Ao abrir o rolo, reconheço a tipografia do jornal de Emily, com algumas linhas grifadas com canetas cor de rosa. O príncipe vai até a escrivaninha e volta a sentar em sua cadeira e colocar seus óculos.

- "É triste , ao meu ver, ver o quanto Virdes tem decaído esses anos. – Começa, focando nos trechos sublinhados- Como um de seus principais parceiros comerciais, percebi que não é de hoje que o reino tem apresentado falhas em sua estrutura, tecnologia e governo"- Ele faz uma careta e arregala um pouco os olhos.- "Mas esta nova lei foi a gota d'água para nós. Existe um ditado que diz que devemos manter nossos amigos próximos, e nossos inimigos mais próximos ainda. Acredito que o atual governante de Virdes acabou levando a frase muito ao pé da letra."

Ele abaixa o jornal, horrorizado.

-Celina, pode ler para mim, por favor?- Ele me estende o papel – Acho que vou vomitar.

Pego a folha e aperto bem os olhos para conseguir ler.

-"Essa idéia estúpida de libertar o inimigo que nossos antepassados lutaram contra por tanto tempo apenas mostra o quão alienado ( e talvez até desrespeitoso) o Rei é em relação a história de suas terras e seu povo." Quem foi o idiota que escreveu essa merda?!

"De qualquer forma, o que estou tentando dizer é que jovens são seres rebeldes e facilmente influenciáveis, e com o garoto não seria diferente, principalmente depois dele ter passado por acontecimentos tão traumáticos quanto a morte de seu pai no ano passado."

"Mas um reino não pode parar. Ele não pode ficar a mercê de uma criança ingênua e traumatizado e sua corte de aberrações. E é por isso que escrevo essa carta....."

Me demoro no último trecho, sem lê-lo em voz alta.

-E então, Celina?!

-"Escrevo para exigir a Valentim Estócio Real I que renuncie o trono. Não iremos sucumbir ao inimigo, e haverá consequências caso o pedido não seja atendido. Vocês tem um mês para aderir a resposta. Assinado: Sua Majestade, Rei Sebastian Aquariano"

A leitura finalmente acaba. Quando me dou conta, noto que segurava o papel com tanta força que já estava amassado, e meus nós nos dedos estavam quase brancos.

Valentim escara a parede, enjoado, horrorizado. Vou até ele e coloco a mão em seu ombro.

-Eles não podem fazer isso...- Susurra com um fio de voz – Não podem...

Sua pele começa a ficar extremamente pálida. Emily também se aproxima.

-Eu sinto muito...

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Notas da autora:

Coitado do Valentim. 

Quando um Rei vai embora, chega outro para atazanar a sua vida.

Espero que tenham gostado do capítulo, amores! Até sábado!

A Ladra de Lumis: Sombras do passadoOnde histórias criam vida. Descubra agora