Capítulo 8: Conversas da madrugada

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Narrado por Celina

É tarde da noite, mas o lampião dentro da tenda permanece acesso.

-Céus, minha mãe vai nos matar se descobrir que estamos acordadas! – Valquíria sussurra, rindo um pouco da piada que contei a ela a alguns segundos atrás.

-Bom, eu não conseguiria dormir de qualquer forma! Você?

-Também não. Sempre fui uma pessoa mais noturna.

-Valentim é um cara sortudo, então.

Ela arregala os olhos e joga um travesseiro em meu rosto.

-COMO OUSA!

Explodimos em mais uma crise de riso, tentando soar o mais silenciosas possível.

-Agora, falando sério – Começo, tentando parar de rir – Como vão as coisas entre vocês?

-Bem, eu diria – Diz, deitando de costas e encarando o teto da tenda como se fosse um céu estrelado – Mas ainda é tudo muito.... Novo

-Você nunca esteve em um relacionamento antes?

-Ah, já estive! Eu já estive com feiticeiros e bruxas no exílio, mas nunca com... Tipo....Um príncipe.

Alguns minutos de silêncio se estendem antes que ela continue

-Tipo, por um lado, é como se fosse um sonho! Tipo, o Valentim é incrível! Ele é gentil, e ..., e quando estamos juntos tudo parece tão...Perfeito! Mas eu ainda tenho um sentimento de estar...

Ela abre e fecha a boca várias vezes, tentando encontrar palavras.

-Esquece.

-Não, pode falar! Eu não estou aqui pra julgar! Tipo, olha pramim!

-É uma história longa...

-A noite vai ser longa também.

Ela fecha os olhos e suspira.

-Bom, quando eu estava no exílio...Eu tinha esse amigo. Não é nada do que você está pensando. Não gostávamos romanticamente um do outro. O nome dele era Dom. Ele era tipo um irmão para mim. Nos conhecemos desde pequenos. Eu era uma garotinha muito medrosa, e naquele ambiente hostil do exílio, as coisas eram complicadas. Ele costumava a me fazer sentir segura...

"Os anos foram passando, e nós fomos crescendo. Com o tempo, eu fui me acostumando com o lugar. Fui educada por outras bruxas que viviam no lá, e eu e ele fiemos nossa iniciação juntos, como irmãos de sangue costumavam a fazer."

Ela sorri conforme as lembranças aparecem

"Tínhamos um lugar especial só nosso. Era um pedaço de muro que antes havia sido uma fortaleza. Costumávamos a subir nele e conversar sobre a vida cotidiana...E como seria se um dia puséssemos sair daquele lugar"

-O que vocês imaginavam? – Pergunto, lembrando de meus próprios pensamentos. Quando estava na cadeia, eu costumava a imaginar bastante também.

-Cada ano era uma coisa diferente. Quando éramos menores, lembro-me de ouvi-lo falando que a primeira coisa que faria seria experimentar algodão doce. Nós não sabíamos muito bem o que era isso, mas algumas crianças mais velhas do exílio diziam que se pareciam com nuvens. Ele sempre quis saber como o gosto das nuvens seria.

Mais algumas risadas singelas escapam.

-Quando crescemos, dizíamos que iríamos acabar com os elfos, destronar os reis e... Governar Lumis.....Juntos.....

O sorriso morre aos poucos em seus lábios, seguido por um silêncio ensurdecedor.

-O que aconteceu? Com seu amigo?

Ela inspira e expira algumas vezes, e responde, com a voz trêmula:

-Encontraram uma rachadura na barreira. Planejavam escapar por ali e travar uma guerra contra o resto de Lumis. A primeira tentativa foi falha...

Nesse momento, algumas lágrimas começam a surgir no canto de seus olhos. Ela se senta de frente para mim e as enxuga.

-Eles caíram em uma emboscada não muito longe da barreira. Descobri quando escapei que o caso havia sido acobertado pela mídia de Lumis para não causar pânico. Sabe quem...Matou ele, Celina?

Nego com a cabeça, vendo uma faísca de ódio passar pelos olhos da garota.

-Lembra de quando nos conhecemos?

-Sim! Você quase tentou me matar!

-Um pouco antes disso!

-Bom, você estava lutando com um dos soldados de Aqua....Espera....Era ele?!

Ela assente

-Eu entrei no exército do Exílio no ano seguinte da emboscada. Agora que sabíamos como atravessar a barreira, conseguimos traçar um plano mais bem elaborado. Eu queria justiça. Por ele... Eu passei um tempo disfarçada em Virdes. Eu extraí informações. Eu descobri quem tinha participado da emboscada do ano passado...Eram soldados de Aqua. Yara não estava entre eles na época, mas aquele garoto com quem eu estava lutando quando nos conhecemos sim. O resto da história você já conhece...

As memórias daquele dia invadem minha mente. Eu me lembro de Valquíria sussurrando algo no ouvido daquele soldado antes de quebrar seu pescoço. Seria algo relacionado a Dom?

Ela estende a mão para mim, onde um anel de sinete prateado brilha no indicador.

-Ele me deu isso andes de ir embora. Toda a vez que eu olho para ele, eu me pergunto se estou fazendo tudo errado. Eu me uni ao inimigo, entende? Eu estou com Valentim, que é tipo, a representação de um poder que eu jurei destruir por anos! E eu estou vivendo nesse sistema, e é como se eu estivesse...traindo Dom, ou as outras pessoas que estavam naquele batalhão com ele ou algo assim!

Ela coloca as mãos no rosto e inclina o corpo para frente, os ombros chacoalhando conforme as lágrimas escorrem.

-Eu sei, parece idiota...

-Val, eu sou a última pessoa que vou achar isso idiota, acredite.

Ela ergue o rosto vermelho para mim.

-Eu sei como você se sente – Digo, colocando a mão em seu ombro – Quando todas aquelas coisas aconteceram comigo no ano passado, eu me perguntava se estava fazendo errado sendo amiga de Valentim ou Emily. Tipo, o pai dele matou os meus pais, entende?

Ela assente com a cabeça devagar.

-E toda a noite, quando eu fechava os olhos...Eu sonhava com eles.

Puxo a foto dos meus pais do bolso do casaco. Valquíria inclina a cabeça para admirá-las comigo.

-E eu também pensava se eu não estava traindo-os de alguma forma...

-Bom, o que fez você parar de pensar nisso?

Reflito por um segundo.

-Eu acho...Que eu aprendi a separar uma coisa da outra. As pessoas mudam, os sistemas mudam. O Valentim era um cuzão, mas ele mudou, certo?

Ela ri

-E tipo, quando eu saí da cadeia, as coisas não aconteceram como o esperado. Não foi nem um pouco como eu sonhei que seria enquanto estava lá. Mas, se quer saber, eu não mudaria nada! Porque foi tudo isso que me possibilitou de fazer alguma diferença!

Seguro sua mão direita com as duas mãos, tentando confortá-la

-Val, você passou por muita coisa! Você não deve sentir culpa por querer ser feliz. Você merece isso!

Ela abaixa a cabeça, refletindo

-É, eu acho que sim...E na posição que eu estou, eu posso mudar as coisas, né?

-Claro que pode!

Ela sorri, e em seguida inclina o corpo de novo, me dando um abraço. Fico um pouco sem reação no início.

-Obrigada, Celina.

Sorrio e a envolvo em meus braços também. 

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Notas da autora

Um pouco sobre o passado da Val para vocês

A Ladra de Lumis: Sombras do passadoOnde histórias criam vida. Descubra agora